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Nos anos 70, Frances Arnold marchou nas ruas de Washington DC contra a Guerra do Vietnã. Era sua forma de tentar mudar o mundo.
Quarenta anos depois, ela está conseguindo.
A engenheira química americana botou um Prêmio Nobel no currículo, fez uma contribuição significativa à tecnologia de enzimas e fundou uma empresa de biotecnologia chamada Provivi, que tem tudo para tirar o sono das Bayers e BASFs do mundo.
A Provivi desenvolve feromônios usados no combate a pragas que assolam lavouras como soja, milho, algodão e cana.
Na natureza, as fêmeas emitem feromônios, um aroma natural que atrai o macho. Para controlar as pragas, a Provivi sintetiza um feromônio similar em laboratório e o pulveriza na lavoura com aviões, tratores ou drones. Ao sentir o aroma em todo lugar mas nunca encontrar a fêmea, o macho se confunde e não procria.
O trabalho da Provivi é baseado na pesquisa de Arnold, que criou uma técnica para acelerar e baratear o desenvolvimento de novas enzimas chamada “directed evolution.”
“Antes, os cientistas conseguiam ler, escrever e editar o DNA, mas ninguém sabia como compor,” Arnold disse ao Brazil Journal. Emulando o que acontece na evolução, tentando uma sequência de combinações possíveis, a “directed evolution” permite ao homem criar novas enzimas com a mesma facilidade que um criador de cachorros cruza duas raças para obter uma terceira. (Bom, é mais ou menos isso.)
A Provivi está testando seus produtos em oito países, incluindo o Brasil, e deve faturar US$ 15 milhões este ano.
Desde que foi fundada há sete anos, a startup já levantou um total de US$ 140 milhões e acaba de fazer uma rodada Series C liderada pelo Temasek e Pontifax, um fundo focado em agtech. A empresa deve levantar mais capital no fim de 2021 quando espera lançar seus produtos nos principais mercados de milho e arroz na América Latina, África e Ásia.
Outros investidores incluem a Lanx Capital de Marcelo Medeiros e Marcelo Barbará, a BASF Venture Capital e Antonio Moreira Salles, co-fundador da Mandi Ventures, um fundo de VC focado em comida e agricultura que acaba de levantar capital.
O co-fundador e CEO da Provivi, o brasileiro Pedro Coelho, foi aluno de PhD e orientando de Arnold no California Institute of Technology, o Caltech. O CFO da empresa, Paul Kuc, e o VP de desenvolvimento, Thomas Clark, ambos vieram da Monsanto.
“A Provivi quer mudar a forma como fazemos a gestão de lavouras,” diz Coelho. “A quantidade de pesticida que se usa hoje não é sustentável.”
Neste momento, o inimigo No. 1 da Provivi — e sua maior oportunidade de mercado — é a lagarta do cartucho, um bichinho tinhoso que migrou das Américas para a África em 2016, chegou à Índia e agora está na China, afetando 80 culturas em 44 países. (Em Ruanda, a coisa foi tão dramática que o presidente mandou o Exército entrar na lavoura para ajudar os agricultores.)
No Brasil, a lagarta — Spodoptera frugiperda — está afetando a produtividade da soja no Mato Grosso bem como de culturas associadas, como milho e algodão.
Em Lucas do Rio Verde, o produtor Amarildo Shoupinski disse ao repórter Pedro Silvestre, do Canal Rural: “A gente pensava em sair com duas aplicações [de inseticida], que era o que foi comprado. Mas aqui já estamos indo para a quarta e, ainda tem que associar dois outros produtos para ver se controlamos direito. Tem talhão que não está resolvendo. Agora é torcer para produzir bem e vir a produtividade esperada para cobrir esse custo.”
A Provivi é uma de três startups fundadas por Arnold. (A Gevo, que começou em 2005, produz combustível de aviação renovável usado por dezenas de companhias aéreas.)
Os primeiros feromônios foram descobertos nos anos 50, mas só passaram a ter uso comercial nos 80. Ainda assim, como o custo era muito alto, só eram usados até recentemente em culturas de alto valor agregado, como frutas, uvas e castanhas. Agora, com os avanços trazidos pela Provivi, o custo está caindo de tal forma que os feromônios poderão ser usados em plantações de larga escala.
A vantagem dos feromônios sobre os pesticidas transcende as considerações sobre o meio ambiente. Os fazendeiros investem US$ 22 bilhões em pesticidas para insetos por ano, mas ainda assim perdem US$ 250 bilhões com a destruição causada por pragas — ou porque os insetos desenvolvem resistência, ou porque a cobertura do inseticida está longe de ser perfeita.
Por exemplo: a safra de milho e arroz dura de 90 a 120 dias. “O inseticida dura só alguns dias, geralmente menos de uma semana, o que gera buracos no controle da praga. O campo fica descoberto,” explica Coelho.
Do ponto de vista regulatório, no Brasil o processo de aprovação de um feromônio dura apenas um ano — contra uma média de sete para um pesticida.
E o cliente final está ficando cada vez mais receptivo.
“Nosso setor agrícola está mudando porque os herdeiros estão tomando a frente das decisões,” diz Ricardo Miranda, o executivo da Provivi para o Brasil e Argentina, que também já passou pela Bayer e Monsanto. “Estive numa reunião da Aprosoja do Mato Grosso outro dia: só havia jovens sentados à mesa e eles eram os diretores da associação.”
A Provivi ainda não sabe seu custo unitário final porque ainda está escalando seus produtos — até agora, 30 SKUs. Além disso, está testando três modelos de vendas para entender como maximizar seu lucro: a venda direta ao agricultor, a venda a um distribuidor, ou joint ventures com empresas de sementes. (Um piloto com a Syngenta acaba de começar na Indonésia.)
Mas não é só na lavoura que as enzimas da dra. Arnold salvam o dia. Outras aplicações da “evolução dirigida” incluem o desenvolvimento de proteínas para uso de detergentes, enzimas para a síntese de ingredientes ativos na industria farmacêutica, e uma enzima que quebra o fosfato que existe na ração do porco, aumentando o conteúdo nutritivo para o animal.