A recente decisão da Klabin de investir R$ 1,5 bilhão em uma nova fábrica de papelão ondulado causou um racha no conselho e expôs duas visões divergentes sobre o negócio: uma financeira e outra estratégica.

Dentre os 14 conselheiros, quatro dos cinco independentes não aprovaram o projeto, batizado de ‘Figueira’. (Dois foram contra; e dois se abstiveram.) 

Mais do que as dúvidas sobre o retorno do investimento, foi comum a insatisfação – registrada em ata – com uma suposta falta de debate do roadmap estratégico da Klabin entre o management e o conselho. 

27D479D2 9B57 43F9 9A70 E93A92F0B32BO CEO Cristiano Teixeira disse que a aprovação do projeto “seguiu o mesmo processo de análise de outros, inclusive muito maiores do que este, e que foram aprovados nos últimos anos. A única diferença é que desta vez não houve consenso.”

O Projeto Figueira trata da construção de uma nova unidade de papelão ondulado num terreno gigantesco de quase 1 milhão de metros quadrados e próximo a um rio na cidade de Piracicaba, interior de São Paulo. Ela deverá estar funcionando em 2024 e será financiada com caixa. 

A nova unidade terá tecnologia de ponta, que trará ganhos de eficiência e capacidade anual de 240 mil toneladas de papelão ondulado – o que deverá representar uma capacidade líquida incremental de 100 mil toneladas, já que a empresa entende que, dependendo do comportamento da demanda, poderá fechar fábricas menos eficientes. Além disso, o tamanho do terreno permite receber uma terceira onduladeira e pelo menos duas máquinas de papel reciclado nos próximos anos.

A deliberação sobre o projeto chegou a ser adiada por algumas semanas, depois que os conselheiros pediram mais tempo para a análise. 

Dentro da Klabin, o Figueira é visto como parte de uma estratégia de geração de valor. 

Os controladores e o management pensam a Klabin como uma cadeia que vai da floresta à celulose, do papel à embalagem. 

“Há empresas que atuam só em uma dessas etapas.  Mas a tese da Klabin é que quanto mais completos formos nessa cadeia, maiores serão os nossos múltiplos, porque conseguimos estabilizar o resultado,” disse o CEO. 

Segundo ele, a Klabin trabalha com projetos que individualmente paguem o custo de capital e criem valor na cadeia do negócio.

“Isso fica evidente quando se olha o crescimento da companhia e o ROIC, que dobrou nos últimos 10 anos,” disse o CEO. Nos últimos 12 meses, o retorno está em 19%. Mas ele reconhece que, se avaliados isoladamente, os projetos podem ter um retorno inferior. Segundo ele, essa foi a análise dos conselheiros independentes.  

“Nós só trabalhamos com a visão estratégica da cadeia,” disse. “Este é um negócio perene, ligado a marcas centenárias, que não pode ser analisado isoladamente.”

Na Klabin – uma empresa de 123 anos que leva 2 para erguer uma fábrica e 15 para construir uma base florestal, que por sua vez dura 50 anos – o inédito do episódio foi a discordância ter se tornado pública.

O conselheiro Camilo Marcantonio Junior, sócio da gestora Charles River, o maior questionador do projeto, falou em baixo retorno e risco de destruição de valor, e citou a sugestão do conselheiro Mauro Cunha, também desfavorável ao ‘Figueira, de que se a empresa optasse por uma recompra de ações geraria mais retorno ao acionista.

Para o CEO, recomprar ações numa companhia “de crescimento orgânico e comprovada criação de valor” não tem fundamento. “É um capítulo diferente do livro. Se fôssemos uma empresa muito geradora de caixa sem um caminho estratégico pela frente, ok. Mas neste caso, estamos dizendo que o melhor retorno para o acionista numa companhia perene é trazer mais capacidade.”

Camilo fez uma manifestação de duas páginas em que questiona o ‘Figueira’ e diz que poderia aprová-lo se entendesse melhor que ele é gerador de valor para a companhia dentro do um projeto estratégico mais amplo, mas segundo ele, “não há um planejamento estratégico que tenha sido discutido e deliberado pelo conselho”.  

Mauro Cunha também se queixa da falta dessa discussão, assim como os dois outros conselheiros que se abstiveram: Roberto Klabin, que apesar do sobrenome não está no acordo de acionistas; e Sérgio Francisco Monteiro de Carvalho, que assim como Camilo é indicado pela Monteiro Aranha, um acionista minoritário que investe na Klabin há mais de 60 anos e hoje tem 5% da empresa.   

A conselheira independente Isabella Saboya, na empresa desde abril, votou a favor do ‘Figueira’ apesar das dúvidas sobre o projeto, e pediu mais discussão sobre o roadmap.

Cristiano disse que além das reuniões ordinárias para deliberação, o conselho também participa de encontros temáticos, que tratam de temas como mudanças climáticas e tendências de consumo. “A partir de todo esse debate, o management produz e apresenta ao conselho anualmente,” disse. “Não se delibera o roadmap porque ele é um produto dessas discussões.”

Segundo Cristiano, a construção de dois sites estratégicos foi discutida e incluída no roadmap há 3 anos: um site no Nordeste – a Klabin comprou uma fábrica da Heineken no Ceará em 2019 – e outro no Sudeste, o terreno onde será erguido o Figueira.  

Segundo uma fonte próxima à empresa, o ponto dos conselheiros independentes é que a administração “aprovaria” investimentos estratégicos diretamente com o controlador – que tem 9 assentos no conselho –  e, assim, os assuntos chegam ao restante do board já definidos. 

A Klabin é controlada por sete famílias que têm acordo de acionistas e fazem reuniões prévias para alinhar o voto. Quando sai a pauta do conselho, diz o CEO, os controladores chamam a diretoria e pedem mais explicações sobre as propostas. “Assim como os outros conselheiros solicitam o mesmo tipo de reunião, exatamente para que tudo esteja bem discutido no momento da deliberação,” disse Cristiano.

“A Klabin é uma empresa de controlador, com as vantagens e desvantagens que isso pode ter, e não há segredo nisso”, disse Cristiano. 

Apesar do voto contrário, Mauro Cunha elogiou a administração pela “transparência na apresentação do projeto, tanto nos seus méritos como nos seus desafios”.  “Poucas companhias enfrentam as decisões com essa transparência e racionalidade.”

Procurado para comentar o assunto, um investidor da Klabin disse ao Brazil Journal: “Infelizmente, não consigo. Não entendi a discussão. A Klabin é uma grande empresa e estou muito contente com a empresa e o projeto.”