Recentemente, os investidores que compram ações da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) passaram a focar principalmente em uma palavra: desalavancagem.
Trata-se de uma tese de investimento clássica: se a CSN for bem sucedida em reduzir o caminhão de dívida que pesa sobre o seu balanço — 32 bilhões de reais no fim do primeiro trimestre — o valor de suas ações vai se apreciar.
Há duas formas da CSN diminuir sua dívida: gerando mais caixa (o que depende do minério de ferro subir no mercado internacional) ou vendendo ativos (algo que a empresa quase nunca fez na vida).
No entanto, um estudo mais detalhado da dívida dos controladores da CSN, a família Steinbruch, sugere que, mesmo com a venda de ativos, a desalavancagem pode ficar só no discurso.
Os Steinbruch controlam a CSN por meio de uma série de empresas de participação que são quase invisíveis para os acionistas da CSN. A estrutura foi criada ao longo da última década para que os Steinbruch pudessem comprar a participação na CSN da família Rabinovich, seus antigos sócios, e do fundo de pensão da própria CSN. Para isso, a família tomou dívida em três empresas: a National Steel (sediada em Luxemburgo), a Rio IACO Participações, e a Vicunha Aços. (Veja a teia societária no final deste post) Todas têm capital fechado, o que torna seus balanços difíceis de achar: o investidor tem que monitorar jornais com nomes soníferos como o ‘Diário Oficial Empresarial’.
Hoje, a dívida destas três empresas é de no mínimo 2,7 bilhões de reais, mas pode chegar a 3,6 bilhões de reais. (O balanço de 2014 de uma delas, a National Steel, ainda não foi publicado, o que impede quem está de fora de avaliar se um empréstimo de US$ 300 milhões tomado no ano passado por outra empresa, a Vicunha Aços, foi usado para amortizar a dívida da National Steel, ou se ele aumentou a dívida total.)
Para garantir esta dívida junto aos bancos, os Steinbruch deram como garantia ações da CSN. Se a dívida da família estiver no topo da faixa estimada, isso significa que 26% do capital da CSN — metade da participação da família na empresa — estão penhorados junto aos bancos, de acordo com atas de assembleias de acionistas publicadas nos jornais. Os dois maiores credores desta dívida são o Banco do Brasil (que é credor de algo entre 1 bilhão e 1,9 bilhão de reais) e o Bradesco (1,7 bilhão).
Os números devem surpreender muita gente que acompanha a empresa. Nos bancos de investimento, os analistas que cobrem a CSN quase nunca entram no detalhe da estrutura de controle da siderúrgica. Eles se atêm a comentar a dívida líquida da CSN, que, no final do primeiro trimestre, chegava a 4,8 vezes sua geração de caixa, de acordo com um cálculo conservador da empresa. Se o minério continuar na casa de 63 dólares, alguns gestores estimam que a alavancagem deve aumentar para até 6,8 vezes até o final deste ano (essa conta assume que a CSN gere 3,5 bilhões de reais de EBITDA e queime um caixa de 1,8 bilhão de reais este ano).
O tamanho da alavancagem da família ilustra o apetite para risco de Steinbruch e, para alguns analistas, explica as sucessivas recompras de ação da CSN — uma estratégia de Steinbruch para manter o valor das ações e assim evitar que os bancos lhe cobrem mais garantias. “Não é à toa que o Benjamin defende tanto o papel,” diz o analista de um fundo que acompanha de perto a empresa. “Ele não pode deixar o papel cair.”
Dado o tamanho da dívida da família, o mais provável é que a CSN continue usando todo o seu caixa — incluindo eventuais desinvestimentos — para pagar dividendos.
“Todo mundo acha que o Benjamin vai pegar esse caixa [da venda de ativos] e pagar a divida da CSN, mas o mais provável é que ele ‘suba’ esse caixa”, isto é, pague dividendos que, por sua vez, vão saldar as dívidas das holdings da família, diz um analista.
Assumindo que a dívida seja de 3,6 bilhões, a CSN terá que pagar dividendos da ordem de 4 bilhões de reais entre este ano e 2017 apenas para que as três holdings da família possam honrar o serviço e as amortizações de suas dívidas neste período, dado que a CSN é a única fonte geradora de caixa da família.
Para evitar que sua alavancagem aumente ainda mais, a CSN dependerá de fazer desinvestimentos em meio a uma economia fraca e um ciclo de commodities em baixa. Analistas estimam que a CSN consiga até 2 bilhões de reais vendendo sua participação na Usiminas — mas esta estimativa, que embute um prêmio sobre o valor de mercado das ações, pode se provar superestimada se argentinos e italianos decidirem cindir a Usiminas em duas, como tem sido especulado. Não está claro quanto a CSN conseguiria levantar se vender seu porto e sua participação em hidrelétricas.
A dificuldade de Steinbruch em vender ativos é lendária: o verbo nunca constou em seu dicionário de estratégia corporativa. Mas com o peso da dívida, ele parece estar mudando. No mês passado, Steinbruch se encontrou com investidores em Nova York, levado pelo Credit Suisse. Foi a primeira vez em muitos anos que ele deixou a sede da CSN na Faria Lima e foi ao encontro do mercado.
A mensagem que passou aos investidores foi de calma em meio à tempestade: “Temos muitas opções, temos muitos ativos para vender… se as coisas piorarem.”
Acima, a estrutura de controle da CSN e, com círculos vermelhos, as empresas nas quais os Steinbruch tomaram dívida