Uma arrastada disputa judicial entre a CSN e a Ternium pode colocar em risco a segurança jurídica de negociações de participações em blocos de controle — questionando um entendimento pacificado pela própria CVM há mais de 20 anos.

A disputa é sobre a venda de uma participação de 27,7% do capital votante da Usiminas. Em novembro de 2011, a Votorantim e a Camargo Corrêa levantaram R$ 4,1 bilhões com a venda dessa participação para a Ternium, a companhia ítalo-argentina com diversas operações no Brasil.

A transação saiu por R$ 36 por ação ON, um prêmio de 83% em relação ao preço de tela na época.

A briga começou porque a CSN — que também era acionista da Usiminas — achou que a transação deveria ter disparado o direito de tag along, obrigando a Ternium a estender a oferta nas mesmas condições a todos os acionistas.

Esse entendimento se baseou no artigo 254-A da Lei das SA, que determina o tag along nos casos de troca de controle. A CSN sustenta que a troca de controle ocorreu “de forma disfarçada” na transação, e que a Ternium pagou a Nippon com o aumento de contratos entre partes relacionadas, que teriam beneficiado empresas nas quais a siderúrgica japonesa tinha participação. A CSN também diz que houve uma mudança no acordo de acionistas logo após a transação que deu o controle de fato da Usiminas à Ternium.

“Antes, o acordo de acionistas tinha uma regra de impasse, que era usada no caso de empates nas votações do conselho,” disse uma fonte próxima à CSN. “Depois que a Ternium entrou, eles indicaram o CEO da companhia e acabaram com a regra do impasse, determinando que as decisões do CEO só podiam ser alteradas se houvesse consenso no board.” 

Pouco antes da transação, no entanto, a CVM foi consultada e entendeu que a OPA não seria necessária dado que a Ternium não passou a controlar a empresa sozinha, tendo que dividir o poder de decisão com a Nippon Steel e o fundo de previdência dos funcionários da Usiminas. Os três tinham um acordo de acionistas que obrigava decisões colegiadas. (A Nippon tinha 43% do capital total, e o fundo de pensão, 20%). 

A decisão da CVM foi em linha com decisões semelhantes que o regulador do mercado financeiro havia tomado desde 2001, quando o artigo 254-A foi incluído na Lei das SA. 

Exemplos de decisões anteriores da CVM neste assunto incluem a compra de uma participação no bloco de controle da Aracruz pela Votorantim, em 2001; e a transação da Copesul, na qual a Braskem comprou a participação da Ipiranga em 2007. 

Logo depois da transação, no entanto, a CSN foi à Justiça e fez uma reclamação no CADE. Dois anos depois, também entrou com uma reclamação na CVM, pedindo a revisão de sua decisão inicial.

Os processos foram correndo, e a CSN perdeu no CADE, na CVM e nas três instâncias do Judiciário — indicando que a disputa estaria concluída. 

Mas de repente, tudo mudou.

Depois de perder pela terceira vez, em março deste ano, na terceira turma do STJ por 3 votos a 2, a CSN entrou com um embargo de declaração — um recurso usado quando uma parte do processo acredita que houve alguma omissão ou contradição no julgamento. 

Em seu embargo, a CSN argumentou que houve vício na decisão da turma, e apontou o que chamou de um ‘fato novo’: em 30 de março deste ano, a Ternium comprou boa parte das ações da Nippon, agora assumindo – de fato e de direito – o controle da Usiminas. 

(Para os advogados da Ternium, o ‘fato novo’ prova o que a empresa sempre sustentou: que não houve troca de controle lá atrás, apenas agora. Para o advogado da CSN, no entanto, o fato novo é a ‘prova’ de que a troca de controle negociada lá atrás está sendo efetivada agora.) 

Não bastasse isso tudo, a história assumiu contornos ainda mais bizarros. 

Logo depois que a CSN entrou com o embargo de declaração, um dos ministros do STJ que havia votado a favor da Ternium faleceu, e outro se declarou impedido de votar (sem explicar o motivo). 

Na nova composição da turma, o jogo começou a virar.

O Ministro Moura Ribeiro (que já havia votado a favor da CSN no primeiro julgamento) e o Ministro Humberto Martins (que substituiu o Ministro que morreu) votaram a favor da CSN, que pede uma indenização de quase R$ 5 bilhões a ser paga pela Ternium. 

Já a Ministra Nancy Andrighi (que havia votado a favor da CSN no julgamento de março) votou para enviar o caso de volta à primeira instância. O Ministro Villas Bôas Cueva, que havia votado a favor da Ternium, acompanhou o voto da Ministra. 

Com o 2 x 2 instalado, o desempate está a cargo de um Ministro da quarta turma do STJ – Antonio Carlos Ferreira – que assumiu a posição para substituir o Ministro que se declarou impedido. 

Antônio – que não conhecia o processo até recentemente – está analisando o caso e ainda não votou. 

Para advogados ouvidos pelo Brazil Journal, uma decisão da turma a favor da CSN criaria insegurança jurídica no mercado de capitais ao reverter uma decisão que já passou por três instâncias do Judiciário e que é baseada em um entendimento da CVM.

“Este é um tema absolutamente pacificado na CVM desde 2001 e que já foi reiterado e confirmado todas as vezes em que ele foi questionado em arbitragens,” disse Marcelo Trindade, que foi diretor e presidente da CVM por cinco anos. (Full disclosure, a pedido do próprio Trindade: o advogado já trabalhou para a Ternium em outro caso.)

Segundo ele, caso o STJ mude sua decisão, o impacto para o mercado de capitais seria imediato.

“Esse tipo de transação, de venda de participação dentro do bloco de controle, sairia na hora do cardápio do mercado de capitais. Ninguém ia querer comprar uma participação que não dá controle e correr o risco de ter que fazer uma OPA como se estivesse comprando o controle,” disse ele. 

Ele nota ainda que isso poderia impactar até a liquidez das empresas, já que muitas vezes o novo sócio que entra no bloco de controle pode ter um papel importante de injetar capital no negócio. 

Trindade disse que não se recorda de nenhuma decisão do Judiciário que foi contra um entendimento pacificado da CVM. “As opiniões do regulador sempre são levadas em conta porque ele é um órgão especializado, que conhece muito mais as regras do mercado de capitais do que o Judiciário,” disse ele. 

Um advogado envolvido no caso do lado da Ternium disse que uma mudança na decisão poderia impactar transações recentes desse mesmo perfil que ainda não prescreveram, como é o caso da venda da participação da Andrade Gutierrez na CCR para a Itaúsa e a Votorantim no ano passado. 

Naturalmente, essa percepção não é compartilhada pela CSN, que tem dito justamente o oposto – que uma decisão favorável a Ternium seria prejudicial ao mercado por permitir que uma troca de controle “feita debaixo dos panos” – como sustenta a companhia – aconteça sem que os minoritários sejam contemplados.

“Se eles deixarem isso acontecer [a Ternium ganhar o processo] você vai transformar o mercado de capitais num faroeste caboclo, vai deixar uma fraude passar impune,” disse a fonte próxima à CSN. 

O caso está sendo litigado pelo Mattos Filho, que representa a Ternium, e Warde Advogados, que representa a CSN.