A primeira Abercrombie & Fitch abriu suas portas em Nova York em 1892. Era o lar do machão aventureiro, vendendo roupas para excursões por florestas tropicais ou pelo ártico, além de equipamentos de caça e pesca. O presidente Theodore Roosevelt e o escritor Ernest Hemingway foram clientes assíduos.

Pouco sobrava daquela tradição quando o conglomerado do megavarejista Leslie Wexner adquiriu a marca em 1988. Controlador de outras grandes marcas como Limited, Express e Victoria Secret, Wexner recrutou Mike Jeffries como o CEO que ressuscitaria a Abercrombie. Deu certo. Em poucos anos, a marca se tornou a loja obrigatória do shopping americano.

Mas a Abercrombie não era para todos: no mundo sexy construído pelo marketing de Jeffries, não havia lugar para meninos e meninas feios, pobres ou acima do peso. Nope! A A&F só vendia suas roupas para os cool kids: garotos e garotas bonitos, magros, populares – e quase sempre brancos.

Agora, o documentário da Netflix White Hot: The Rise & Fall of Abercrombie & Fitch, de Alison Klayman – que já dirigiu filmes sobre o artista chinês dissidente Ai Weiwei e sobre o agitador de extrema-direita Steve Bannon – mostra como Jeffries transformou a loja em um fenômeno da cultura pop americana.

Foi um sucesso arrebatador, até que, já entrando no século XXI, o CEO perdeu o pulso de uma era cada vez mais sensível a temas como inclusão e diversidade. Com uma edição ágil de imagens publicitárias, o documentário evoca a sedução que a A&F exercia sobre seus jovens consumidores – e ao mesmo tempo critica os valores que a marca carregava.

As roupas da Abercrombie  não eram especialmente caras, mas o marketing passava a ideia de que se destinavam à casta dos eleitos pelos deuses da beleza e da juventude. As lojas distinguiam-se pela música alta – para afugentar os pais do jovem consumidor – e vendedores sarados. Maníaco do micromanaging, Jeffries visitava as lojas da rede para se certificar de que o ambiente – incluindo visual dos funcionários – obedecia a todos os seus ditames.

O material publicitário causava certo escândalo pela exposição de garotões malhados e descamisados divertindo-se ao ar livre. Um dos modelos ouvidos no documentário faz a piada óbvia: seu trabalho era “tirar a roupa para vender roupas.” Havia uma inconfudível aura homoerótica nessas imagens capturadas pelo fotógrafo Bruce Weber, embora o público-alvo da marca fosse heterossexual.

(No rastro do movimento MeToo, Weber seria acusado de assédio. Outro modelo conta que foi demitido depois de recusar o convite para um jantar íntimo com o fotógrafo.)

A marca que ambicionava ser exclusiva passou a se mostrar francamente discriminatória. Acumulavam-se relatos de funcionários negros, latinos e orientais que só eram escalados para funções subalternas. Uma ação coletiva por discriminação racial foi movida contra a A&F em 2004.

Cinco anos depois, uma jovem muçulmana também recorreu à Justiça quando uma loja em Tulsa negou-lhe emprego porque ela usava o hijab. O caso foi à Suprema Corte.

Executivo discreto, que não gostava de falar com a imprensa – o documentário ouviu seus colaboradores próximos, mas ele mesmo não concedeu entrevista – Jeffries cometeu a bobagem de defender sua ideia muito particular de exclusividade em um raro perfil publicado pelo site Salon, em 2006. “Nós buscamos o garoto bem americano, com uma atitude positiva e muitos amigos,” explicou o CEO. “Somos excludentes? Sim, certamente.”

Essas declarações antipáticas a princípio passaram despercebidas, mas voltaram à tona em 2013, causando a previsível revolta. Os resultados da Abercrombie & Fitch já andavam declinando, e no final de 2014 Mike Jeffries deixou a empresa, que desde então mudou sua identidade.

Hoje, as campanhas publicitárias da marca incluem negros, orientais, latinos e o eventual modelo com sobrepeso. O cool não vem mais só em uma cor.

ARQUIVO BJ

Tanquinhos de modelos não salvam a Abercrombie