Um dia depois do incêndio que consumiu o Museu Nacional, o Brazil Journal publicou uma entrevista com o empresário Israel Klabin na qual ele rememora as negociações com o então presidente do Banco Mundial, James Wolfensohn, para a liberação de US$ 80 milhões para a recuperação do Museu Nacional.

As negociações, segundo Klabin, acabaram quando a UFRJ não aceitou a transformação do Museu Nacional em uma Organização Social.

Horas depois da publicação da matéria, professores e pessoas ligadas à UFRJ começaram a tentar desconstruir o relato de Klabin nas redes sociais e grupos de Whatsapp. Suas declarações – on the record – chegaram a ser chamadas de “notícia mentirosa da grande imprensa”, mostrando que, quando a ideologia se sobrepõe aos fatos, não importa se você é Donald Trump ou um professor de esquerda.  Ambos querem matar o mensageiro.

O ápice deste movimento veio hoje, quando o diretor-adjunto do Museu Nacional, Luiz Fernando Duarte, confirmou à BBC Brasil as conversas com Klabin sobre a oferta de apoio do Banco Mundial. Disse que recebeu a visita de um vice-presidente do banco (Ismail Serageldin) e que uma técnica da instituição passou um período trabalhando com uma equipe do museu.

Duarte confirma as discussões sobre a governança do museu, mas exime a UFRJ de  responsabilidade pelo fracasso. “A informação que tivemos na época foi que a interrupção se deveu a questões internas do Banco Mundial. Não teve nada a ver com decisões do museu e muito menos da UFRJ”, Duarte teria dito ao site brasileiro da BBC.

Em seguida, Duarte diz que “não havia essa exigência do banco” [de transformação do Museu em OS] para que a negociação prosseguisse, mas revela – quase confirmando o que acabara de negar – que a UFRJ estudou o modelo de OS e concluiu que ele não era “um formato adequado” para o museu.

Além dos comentários de Duarte, o Banco Mundial teria dito à BBC Brasil que, como parte das negociações para ajudar o Museu Nacional, “não chegaram a ser estabelecidos valores ou condicionantes para o possível financiamento”.

Um dia depois de conversar com Klabin, o Brazil Journal também falou com o Embaixador Flávio Perri, então secretário-executivo do grupo de trabalho encarregado de elaborar o pré-projeto de reforma do Museu a ser apresentado ao Banco Mundial.

“Na época, meados dos anos 90, o museu já estava altamente decadente, com tetos desabando, infiltração e focos de cupim”, diz Perri. “Criamos um grupo de trabalho e sempre tentamos envolver os diretores e professores do museu na elaboração do projeto. Mas esbarramos na resistência da diretoria do museu, que nos dizia que o Conselho Universitário da UFRJ não via com bons olhos a abertura para uma organização independente, ainda que a universidade pudesse ter participação no processo.”

Segundo Perri, “o Banco Mundial exigia que a organização que viesse a ser responsável pudesse ter autonomia para trabalhar em estreita ligação com a universidade mas também com o setor privado.” O projeto previa contrapartidas financeiras do setor privado e Klabin chegou a iniciar contatos com outros empresários.

“US$ 80 milhões era uma meta. Wolfensohn poderia atribuir essa quantia. Mas tudo dependeria da configuração jurídica”, diz Perri.

Ao longo dos seis meses de trabalho, “fomos esbarrando na resistência corporativa da UFRJ, que foi se afirmando em sucessivas negativas à nossa participação. Era uma incumbência cartorial, eles trabalhavam como se aquele patrimônio fosse deles e não do país. Em um dado momento, tiramos o time de campo e sugerimos que tratassem direto com o Banco Mundial.”

Há ainda uma terceira fonte. Ao falar sobre o mesmo episódio no Facebook, o sociólogo Simon Schwartzman também lembrou que o projeto de transformar o museu numa OS “não foi possível, porque isto significaria retirá-lo da UFRJ, que nunca teve condições de gerenciar um museu deste porte, mas não abria mão de seu controle.”

Quanto à assessoria do Banco Mundial, não é provável que ela domine os detalhes de tudo que aconteceu há mais de 20 anos. Não haveria porque existir, nos arquivos do banco, registros documentando cada etapa da conversa entre os dois lados, uma vez que as conversas foram interrompidas antes de um acordo. Klabin e Perri, envolvidos diretamente nas tratativas, continuam a ser as melhores fontes jornalísticas para corroborar o tema – até porque não têm nada a perder, do ponto de vista de imagem, tendo em vista o que aconteceu com o museu.