“Uma verdadeira e ampla frente contra o autoritarismo.” Foi com essa frase que o Presidente Lula foi diplomado em dezembro de 2022, após derrotar Jair Bolsonaro nas eleições daquele ano.

Passados quase dois anos, as eleições na Venezuela de Nicolás Maduro sublinham a dicotomia entre pragmatismo e ideologia existente na política externa de Lula.

Luiz Inácio Lula da Silva

As pesquisas apontam para uma vitória da oposição venezuelana, mas o espectro das táticas antidemocráticas de Maduro lança dúvidas e tensão sobre o processo. 

Seu controle sobre o Judiciário, os serviços de segurança e a autoridade eleitoral podem fazer a balança pesar a seu favor, ameaçando a integridade da votação e a confiança pública nos resultados.

O Brasil observa atentamente a eleição deste domingo, um teste decisivo para a democracia na Venezuela. 

Os riscos não poderiam ser maiores. Ao Brasil, a estabilidade e a paz na região interessam profundamente como parte da retomada do protagonismo da política externa de Lula.

O Presidente brasileiro sempre foi próximo dos líderes da Revolução Bolivariana da Venezuela, mantendo uma relação estreita tanto com Hugo Chávez quanto com Maduro. Chávez chegou a chamar Lula de “irmão mais velho”, e Lula, por sua vez, demonstrou boa vontade ao receber Maduro em Brasília em 2023, minimizando os abusos dos direitos humanos na Venezuela.

Ao minimizar os atos e erros sucessivos do incumbente venezuelano – que levaram 7,7 milhões de venezuelanos a migrar, fugindo da pobreza – Lula desagradou muita gente, inclusive dentro de sua base. 

Sua justificativa, como sempre, foi o compromisso com o pragmatismo. Contudo, o desejo de continuar desempenhando o papel de mediador em uma crise geopolítica que divide grande parte do hemisfério – e, ao que parece, dentro do próprio Brasil – pode ter levado a um pragmatismo exagerado.

Chevron Venezuela

Ou, pelo menos, deixou mais claro que os contornos do pragmatismo da política externa brasileira podem, algumas vezes, ser definidos pela ideologia.

Politicamente, a opinião pública brasileira, como mostram as pesquisas da Atlas/Intel, se opõe fortemente à posição de Lula sobre a Venezuela e à influência da ideologia na política externa. Seguir este caminho pode colocar em risco a aprovação e o capital político do Presidente.

Mais recentemente, já quase na metade de seu terceiro mandato, Lula deu sinais de uma postura mais crítica, instando Maduro a permitir uma eleição livre e justa e a aceitar o resultado. “A única chance de a Venezuela retornar à normalidade é ter um processo eleitoral amplamente respeitado… Ele deve respeitar o processo democrático”, disse o Presidente brasileiro.

Esse movimento de maior nuance em seu discurso demonstra o quanto manter o apoio à Venezuela sob o regime de Maduro traria um custo reputacional para o Brasil, prejudicando sua posição no cenário internacional.

Lula busca manter a credibilidade do Brasil como defensor da democracia sem confrontar diretamente o regime chavista. Isso reforça sua liderança regional e preserva as relações históricas que construiu. Em última análise, Lula navega entre a lealdade pessoal e a defesa dos princípios democráticos, uma estratégia que continuará a definir sua política externa.

Maduro e seus aliados têm enviado sinais contraditórios sobre como reagirão aos resultados da eleição.

Enquanto Maduro ameaça com um “banho de sangue” se perder, seu filho já disse que o Partido Socialista Unido deixaria o poder se a oposição vencer, embora ele nunca tenha visto pesquisas indicando a liderança da oposição. Essa incerteza destaca a tensão que permeia o país à medida que a eleição se aproxima.

Em missão à Venezuela, Lula enviou seu fiel assessor e ex-chanceler Celso Amorim para observar a eleição e contribuir para um pleito “correto e limpo”. 

Paralelamente, o Tribunal Superior Eleitoral tinha planos de observar o processo venezuelano, destacando ainda mais o compromisso do Brasil como um bastião da democracia na região. No entanto, questionamentos de Maduro sobre a integridade do processo eleitoral brasileiro fizeram o TSE cancelar a ida de servidores, sinalizando um distanciamento de qualquer eventual – e talvez já sinalizada — irregularidade no pleito. 

Outros riscos se apontam no futuro para o Brasil caso Maduro permaneça no poder. 

A reivindicação venezuelana sobre o território de Essequibo, na Guiana, agrava a instabilidade regional, potencialmente exigindo a mobilização das forças de defesa brasileiras. O Brasil não tem interesse em conflitos na região. Além disso, a crise migratória pode se agravar, sobrecarregando ainda mais os esforços de ajuda humanitária e integração dos migrantes, que têm o Brasil como um dos principais destinos.

Apesar dos recentes comentários de Lula aconselhando Maduro a respeitar os resultados, se o líder venezuelano cometer fraude eleitoral, é improvável que Lula denuncie ou interfira nos assuntos da Venezuela. 

Nem o presidente brasileiro nem seu partido têm interesse em ser vistos como coniventes com uma fraude eleitoral, mas também não devemos esperar uma denúncia contundente se isso ocorrer. 

Há um reconhecimento de que, se a situação se tornar extremamente grave, o Brasil não poderá evitar ser crítico. Contudo, a proximidade ideológica com Maduro faz com que a ideia de “não queimar pontes” seja oferecida pelo presidente brasileiro como uma vantagem para moderar o conflito. 

Vamos torcer para que esta abordagem se mostre eficaz. Por enquanto, ela não tem evitado o aprofundamento da crise que atinge milhões de venezuelanos, e é difícil defendê-la diante de abusos autoritários.

Bruna Santos é diretora do Brazil Institute do Woodrow Wilson Center em Washington.

Giulia Branco Spiess é gerente de programas do mesmo instituto.