MANAUS — Num galpão de mais de 12 mil metros quadrados, aqui no coração da Zona Franca, o engenheiro Adelino Cardoso exibe seu novo maquinário como uma criança mostra um novo brinquedo.
De um lado, uma esteira por onde as peças vão passando e as motos vão sendo montadas; em outro canto, um aparelho que estampa o número de série no chassi; mais à frente, um sistema que testa a qualidade estética, a aceleração e a frenagem das motocicletas.
Adelino está dando um tour a um pequeno grupo de repórteres da nova fábrica de motos elétricas da Voltz — a primeira do tipo no Brasil e um marco para uma startup fundada há apenas quatro anos.
“Temos linhas [de montagem] para duas motos, a EV1 Sport e a EVS, e já estamos no processo de cotação e compra de uma terceira linha para o nosso triciclo,” disse Adelino, que trocou mais de dez anos liderando a fábrica da Harley-Davidson em Manaus pela emoção eletrizante de criar um novo mercado com a Voltz.
Boa parte da equipe à frente da nova fábrica tem esse mesmo background: engenheiros e técnicos que fizeram carreira na combustão, trabalhando em grandes montadoras do setor.
Esse perfil traz uma vantagem, garante Adelino.
“Conseguimos agregar muitas coisas das fábricas de motos a combustão, juntando o melhor dos dois mundos,” disse ele. “Quando os chineses vieram aqui eles ficaram surpresos com alguns equipamentos que tínhamos e que eles não tinham por lá.”
Até agora, a Voltz importava 100% de suas peças da China e apenas fazia a montagem final das motos em sua sede em Pernambuco. Agora, ela ainda vai importar parte das peças, mas vai começar a nacionalizar alguns componentes, uma exigência para ter os benefícios fiscais da Zona Franca.
A construção da nova fábrica é fruto de um investimento de R$ 12 milhões bancado por uma rodada de R$ 100 milhões que a Voltz fez junto à Creditas e o Grupo Ultra há um ano.
Essa rodada também está financiando a abertura de novas concessionárias em São Paulo e no Recife, e a criação das chamadas Estações Voltz — pontos de troca das baterias que vão permitir à empresa vender motos num modelo de assinatura: o cliente compra a moto, mas a bateria é alugada da Voltz.
A fábrica de Manaus posiciona a empresa para o maior salto de escala desde que ela foi fundada em Recife por Renato Villar, um ex-vendedor de peças de reposição.
Quando estiver a plena carga, esta fábrica vai multiplicar por sete a produção da Voltz — chegando a 15 mil motos por mês e aproximando a produção da startup da de grandes montadoras já consolidadas.
Para efeito de comparação, a Yamaha produz 200 mil motos por ano no Brasil (ou 18 mil por mês).
A escalada vai ser gradual: a Voltz vai aumentar a produção aos poucos até chegar às 15 mil/mês quando a demanda justificar. Para este ano, a expectativa é fabricar 50 mil motos — o equivalente a 4.100 por mês.
A nova fábrica também vai ajudar a resolver um problema cabeludo que a Voltz tem enfrentado: a revolta de alguns clientes, que não tem conseguido receber suas motos pela falta de capacidade de produção.
A Voltz parou de fechar novas vendas nos últimos meses e tem formado uma fila de espera. Ao comprar uma moto no e-commerce ou nas concessionárias, os clientes têm recebido uma senha e só podem fazer o pagamento de fato quando sua vez chegar.
Manoel Fonseca, sócio e CMO da Voltz, disse que a expectativa é zerar a fila de espera até outubro, quando a empresa já quer começar a vender com pronta entrega (com a moto chegando em 7 dias na porta do cliente).
A nova fábrica vai começar a operar na semana que vem com duas linhas de produção: uma para a EV1 Sport (a scooter); e uma para a EVS (o modelo street). Uma terceira linha vai entrar em operação em breve para o Miles — um triciclo elétrico desenvolvido para fazer o last mile de grandes empresas. A Ultragaz, por exemplo, já comprou 500 desses triciclos para entregar botijões de gás.
A Voltz também está desenvolvendo outros cinco modelos de motos, incluindo uma racing e uma trail, bem como um aplicativo que se conecta à moto e traz várias funcionalidades para o motorista, como ligar e desligar a moto e rastrear sua localização.
Mas a menina dos olhos de Manoel é o sistema ADAS — basicamente uma série de câmaras e sensores que vão dar mais segurança à moto.
Esse sistema — semelhante ao que a Tesla usa em seus carros autônomos e ainda em fase de desenvolvimento pela startup — vai conseguir mapear todo o entorno da moto e identificar, por exemplo, quando ela está num ponto cego.
O sonho de Manoel: “criar a moto mais segura do mundo”.