Quando o jornalista Eduardo Schkair Junior ainda trabalhava na RedeTV, sua paixão por carros esportivos já era evidente, mas ninguém imaginava que uma simples matéria sobre o Ferrari Racing Days mudaria sua vida para sempre.

Ao propor ao editor-chefe a cobertura do evento – que trazia ao Brasil carros icônicos como os pilotados por Schumacher e Barrichello e reunia os clientes especiais da Ferrari do mundo inteiro, chamados de Corsi Cliente – Edu recebeu um seco ‘não’.

Determinado, resolveu produzir a reportagem por conta própria. O resultado surpreendeu, ganhou destaque além do digital, área em que ele trabalhava, e escalou para a TV aberta.

Mas o que parecia ser um momento de glória rapidamente virou uma grande ironia. 

“Cheguei segunda-feira todo pavãozão e fui demitido,” conta Edu. Seu chefe o acusou de estar trabalhando secretamente para a Ferrari.

Então com 22 anos, ele precisou revelar que o motivo real de seu acesso privilegiado era simples: filho de um advogado tributarista, o próprio Edu possuía uma Ferrari.

A demissão naquela segunda-feira de 2013, porém, foi o ponto de partida para uma nova trajetória que culminaria muito além do que ele ambicionava na época, que era ser um jornalista esportivo.

Hoje com 34 anos, Edu comanda o Motorgrid, um ecossistema que se tornou uma plataforma de relacionamento cujo modelo de negócios inclui eventos, um site, redes sociais, um canal no YouTube e um podcast – além de ser o maior grupo de proprietários de supercarros da América Latina, cujo valor somado das máquinas ultrapassa facilmente R$ 1 bilhão. 

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A dimensão do grupo é tão superlativa quanto os cavalos dos modelos que reúne.

O Motorgrid funciona como uma rede de relacionamentos que conecta pelo WhatsApp mais de 4.300 membros de 18 estados e possui uma fila de espera de mais de 20 mil pedidos.

Para ingressar, as regras são rígidas: indicação obrigatória, posse de um carro esportivo a partir de modelos como M2, C63, A45S e passar por uma criteriosa análise de comportamento nas redes sociais. 

O respeito às regras é fundamental: comportamentos inadequados, como excesso de velocidade ou exibições públicas, resultam em expulsão sumária. 

A estrutura é organizada em quatro grupos principais e 115 subgrupos, que abrangem, por exemplo, divisões por estado, nichos como relógios e aircraft (para proprietários de aviões e helicópteros), os dedicados a marcas específicas, carros antigos, UTV (utility task vehicles, veículos off-road projetados para atividades recreativas), e até viagens.

Segundo Edu, 80% das vendas de McLarens no Brasil foram para membros do Motorgrid, assim como 60% das vendas de BMW M no maior concessionário deste modelo no País.

Aproximadamente 80% das Ferraris do Brasil, cerca de 1.000 máquinas, estão nas mãos de membros do grupo, que também concentra 60% dos Porsches GT e 65% dos Lamborghinis do País.

A força da confraria se manifesta ainda nos cinco grandes eventos que acontecem de uma a três vezes por ano cada um:  o PEA – Passeio e Encontro de Amigos, que reúne os hipercarros mais exclusivos do continente, como o único Bugatti Chiron em solo brasileiro, que custa mais de R$ 50 milhões), Track & Friends (um evento em pista de corrida), Encontro de Ferrari, Encontro de Porsche, Encontro de Lamborghini, e o Weekend (o maior rally de supercarros da América Latina). Nas redes sociais, o alcance extrapola em muito o número de membros. São 364 mil seguidores no Instagram e 83 milhões de views no YouTube.

O Motorgrid começou originalmente como um blog sobre o setor automotivo.  Edu havia saído da RedeTV e ouviu a ideia de um amigo, hoje no conselho do grupo. “Ele me aconselhou a marcar um encontro com proprietários de esportivos de luxo. Eu achava perigoso, mas marquei,” conta ele.

O primeiro encontro reuniu 19 amigos. No segundo, num posto de gasolina em Alphaville, já foram 50 carros. No terceiro, 70. Sempre amigos de amigos – a maioria proprietários de Ferraris. 

A transformação do hobby em negócio começou quando o gerente de uma concessionária Mercedes pediu a Edu para reunir essa turma e fazer um encontro na concessionária. “Ele me perguntou quanto eu cobraria por isso. Eu não cobrava, não tinha empresa aberta, não sabia como fazer. Ele me achou um louco despreparado que juntava um monte de dono de Ferrari sem cobrar por isso, como continuo fazendo até hoje.”

Durante quatro anos, Edu organizou eventos sem estrutura empresarial, até fechar com a marca suíça de relógios de luxo IWC. “Aí a gente teve que abrir empresa. Até a logomarca foi criada por necessidade, quando fizemos um evento para a Cyrela, que me obrigou a ter um. Eu falo que o Motorgrid aconteceu;  não foi criado, não foi estudado, não tinha plano de negócio”. 

Com mais de 50 marcas parceiras, o Motorgrid trabalha com cotas anuais ou de 24 meses, exigindo pelo menos 50% do pagamento à vista. As parcerias incluem praticamente todas as marcas de carros, além de empresas do setor aeronáutico, náutico e de investimentos, hotéis e agências de viagem. Os parceiros basicamente têm acesso ao dia a dia dos membros nos grupos de WhatsApp e a todos os eventos.

O perfil dos membros reflete a exclusividade do grupo: de 18 a 80 anos, a maioria empresários e executivos de C-level. “É um nicho muito exclusivo e essas pessoas são meio sozinhas. Na grande maioria dos casos, não têm amigos ou apenas um círculo bem pequeno, bem fechado. E a paixão do cara é carro. Então onde ele faz amizade? Muita gente no grupo virou padrinho de casamento do outro. Virou médico do outro. O grupo virou uma confraria,” disse o fundador.

O símbolo de identificação do grupo é uma pulseira, que permite reconhecimento silencioso entre membros. “No Mundial de Clubes, por exemplo, tivemos membros que se reconheceram pela pulseira do Motorgrid, e estreitaram relações,” disse Edu.

Nos planos futuros estão um estande no Salão Internacional do Automóvel de São Paulo – que está de volta após um hiato de sete anos – com os carros mais caros do Brasil e acesso diferenciado para quem faz parte do Motorgrid; a internacionalização da marca, que inclui um grupo em Miami para membros que têm carro ou casa na cidade; e expansão para entretenimento digital, incluindo corridas virtuais e físicas, com destaque para a estreia da BMW M2 Cup no Brasil, em 2026, uma parceria com o intuito de fomentar novos talentos no automobilismo nacional.