Uma transação de partes relacionadas na Mitre fez o papel da incorporadora mergulhar mais de 16% hoje, com investidores questionando um potencial conflito de interesses.
A Mitre vai comprar um terreno de cerca de 10.000 metros quadrados em Trancoso que hoje pertence a seu controlador, o empresário Fabricio Mitre.
O valor a ser pago pelo terreno – que fica no condomínio Fazenda Rio da Barra, com vista para o mar – é de R$ 13,5 milhões.
Depois da queda de hoje, a Mitre vale R$ 390 milhões na B3.
O movimento chamou a atenção do mercado porque, dada sua localização e perfil (um condomínio de casas), o empreendimento é fora do core business da companhia, que sempre fez prédios para a média e alta renda na cidade de São Paulo.
A ideia da Mitre é construir três casas de luxo no terreno usando a marca Daslu, que a empresa arrematou por R$ 10 milhões num leilão judicial no ano passado. O plano da companhia é vender essas casas por pelo menos R$ 18 milhões cada – um valor geral de vendas (VGV) de cerca de R$ 50 milhões.
Como o custo da obra deve girar em torno de R$ 18 milhões, a companhia estima uma margem bruta de 33% para o projeto e uma TIR real de 30%.
Em vez de levar a discussão para uma assembleia de acionistas, a companhia decidiu aprovar a operação no conselho, onde houve dois votos a favor e um contra.
Os três conselheiros indicados pelo controlador (incluindo o próprio Mitre) se abstiveram por serem contraparte da operação.
Guilherme Affonso Ferreira e o chairman da companhia, Pedro Mercadante Oliva, votaram a favor, enquanto Burkhard Cordes, que representa a Aguassanta, o family office de Rubens Ometto, votou contra.
A família Mitre controla a empresa com 50,5% do capital.
Fabricio disse ao Brazil Journal que viu a reação do mercado como “uma tempestade em copo d’água.”
“Foi um erro de comunicação… É uma coisa extremamente pouco relevante do ponto de vista de tamanho. É menos de 0,5% dos ativos da companhia,” disse ele. Além disso, “discutimos com o board que isso resolveria um potencial conflito de interesses, que seria eu começar a concorrer na pessoa física com a companhia.”
O mercado não deu o benefício da dúvida.
Em meio à pressão vendedora, cerca de 10% do capital da companhia mudou de mãos hoje, com um gestor batizando o papel de “DinaMitre”. O volume negociado bateu 9,9 milhões de ações, comparado a uma média de 1 milhão de ações nos últimos trinta dias.
Fabrício disse que a empresa encomendou um laudo independente para atribuir um preço ao terreno, e que ele optou por vendê-lo com um desconto de 10% sobre o valor do laudo.
Segundo ele, outros terrenos no mesmo condomínio estão sendo vendidos por um valor similar, de cerca de R$ 1,2 mil o metro quadrado.
“O que importa agora é mostrar o resultado, e tenho certeza que daqui a pouco tempo vamos poder medir o quanto isso foi bem sucedido para a empresa.”
O empreendimento é uma forma de testar a água para o projeto Daslu e sentir o interesse dos compradores — que até agora tem sido grande, segundo ele. “Já recebemos várias propostas para a primeira casa.”
A Mitre também já está trabalhando em outro projeto com a marca Daslu: um prédio residencial nos Jardins, em São Paulo, com VGV de R$ 450 milhões.
“Mas esse empreendimento vai demorar uns quatro anos para ficar pronto. Até lá ninguém ia ter um exemplo do que é um empreendimento com a marca Daslu, e para toda marca é importante ter um flagship para mostrar,” disse ele.
A ideia do projeto não é apenas usar a marca Daslu no branding. As casas serão decoradas com móveis e lençóis da marca e terão um staff treinado (incluindo um chef) para atender os moradores.
O projeto da primeira casa de Trancoso já teve as aprovações legais e será lançado no mês que vem. As outras duas ainda precisam de aprovação e devem ser lançadas no início de 2024.
Fabrício disse que esse projeto é importante para “destravar o valor Daslu,” já que hoje o mercado está atribuindo valor zero ou perto de zero ao projeto. “Vamos mostrar que a estratégia faz sentido.”
Ele nota ainda que há exemplos de sucesso em todo o mundo de associação de marcas de luxo com hotéis e empreendimentos residenciais. Em média, segundo ele, a marca gera um aumento de 20% a 25% no valor dos imóveis.
Caso esse projeto tenha sucesso, a ideia da Mitre é expandir a Daslu Properties. O controlador disse inclusive que avalia criar uma nova empresa ou fazer uma joint venture com um player do mercado de luxo para expandir o negócio.