Veterano da mineração, Lourenço Gonçalves diz que os impactos da tragédia de Brumadinho no preço do minério de ferro devem ser prolongados – na sua visão, a cotação, hoje ao redor dos US$ 87 por tonelada, deve facilmente ultrapassar US$ 100.

O mercado está dividido sobre o fôlego da alta depois de um ‘bump’ de mais de 20% na commodity depois que o rompimento da barragem forçou a Vale a cortar 70 milhões de toneladas na oferta. 10566 1fa4ade9 bbc1 40c0 de5f 68657c7b5681

“A situação no momento é a seguinte: você pulou do alto do Empire State. Quando passa do 40º andar, se alguém te perguntar se tá tudo bem, você vai responder: ‘tá tudo beeeeeeeeeeeem’, antes de chegar no chão”, Lourenço disse ao Brazil Journal.  

O brasileiro comanda há quatro anos e meio a Cleveland-Cliffs, uma mineradora de Ohio que atende as siderúrgicas dos Grandes Lagos – e vem conduzindo um processo de turnaround que fez sua ação subir 545% nos últimos três anos. Só em 2019, o papel sobe 50%.

No fim do ano passado, o executivo se celebrizou por não medir palavras: num call de resultados, comprou briga aos berros com um analista da Goldman que errou nas contas ao modelar a empresa. Agora já amansou. “Sou um cara da paz.”

Voltada para o mercado doméstico americano, a Cliffs não compete diretamente com a Vale. A companhia fabrica pelotas, um tipo de minério processado e de maior qualidade que a Vale produz principalmente em Minas Gerais, na área atingida pela tragédia.

Enquanto o minério de ferro commodity subiu mais de 20% desde Brumadinho, o índice de pelotas ganhou apenas 9% segundo dados da Metal Bulletin – mas deve avançar mais nos próximos meses, segundo o executivo.

Antes de assumir a Cliffs, Gonçalves passou 17 anos na CSN, cinco dos quais como CEO da California Steel – uma joint venture entre a Vale e, na época, a japonesa Kawasaki – e outros 10 à frente da Metals USA.

O executivo conversou com o Brazil Journal, por telefone, da sede da empresa em Cleveland.

Como você está vendo o impacto da tragédia de Brumadinho nos preços do minério?

A Vale é não só o maior produtor de minério de ferro, de sinter feed, mas também o maior produtor de pelotas. É um duplo impacto, tanto na commodity, o minério de ferro, como – o que é particularmente interessante para nós aqui – na parte de pelotas, porque o que a Vale faz ou deixa de fazer é determinante para o mercado internacional. No caso do preço da pelota, a Vale não tinha finalizado as negociações antes do evento. [O impacto] não apareceu no número, mas vai aparecer, porque agora ela vai negociar numa posição de muito menos disponibilidade de material.

Mas trazendo mais para os números… Você acha que o minério vai voltar a romper a barreira dos US$ 100/t?

Vai passar, e só não passou ainda porque tem muito inventário no pipeline. Tem um monte de navio flutuando no oceano nesse momento, um monte de inventário da China. A situação no momento é a seguinte: você pulou do alto do Empire State. Quando passa do 40º andar, se alguém te perguntar se tá tudo bem, você vai responder: “tá tudo beeeeeeeeeeeem”, antes de chegar no chão. A piada funciona melhor em inglês, com “so far, so goooooood”, mas dá pra pegar o espírito.

Quão prolongado será esse impacto? Quanto tempo essas paralisações de produção podem durar?

Isso é grande e vai ter repercussão por muito tempo. Todo mundo tende a minimizar os impactos num primeiro momento. O rompimento da barragem da Samarco aconteceu em 5 de novembro de 2015. A primeira coisa que falaram é que voltaria a operar em questão de meses, depois no fim do ano, depois no ano que vem, depois no outro. Estamos em 2019 e quando é que volta a Samarco?

Quando essas coisas acontecem, a reação de quem não tem tanta familiaridade com a operação de mineração é: “Ah, isso aí a Vale tira de outro lugar, ela resolve”. Não, ela não tira de outro lugar porque em Carajás o ‘iron ore body’ é completamente diferente. O que ela faz no sistema Sul [Minas Gerais] é diferente do Norte [Pará].

A Vale aumentou a produção de pelotas no limite depois do evento da Samarco, trazendo pelotizações que não operavam de volta à operação. Muito desse pellet feed vem daquela área que foi atingida pela tragédia e não tem jeito de suprir.

As australianas não têm condições de aumentar a oferta?

No caso do minério básico, o sinter feed, sim. No caso da pelota, não. Para produzir pelota, precisa de um minério de ferro adequado para gerar pellet feed e precisa de água. Sem água não tem pelota. Na Austrália, o lugar onde o minério de ferro está concentrado é um deserto. E na China, eles produzem pelota a partir de um minério de baixíssima qualidade.

Uma outra discussão é o desaquecimento da economia chinesa, que poderia derrubar os preços do minério. Qual sua visão sobre isso?

A China é um país sem vergonha, e de um país sem vergonha você pode esperar qualquer coisa. Em 2018, a China produziu 935 milhões de toneladas de aço, no ano anterior, 823 milhões e só precisa de 500 milhões. O resto a China exporta. E ela exporta por uma razão simples: porque não quer saber se está poluindo, se está matando gente, é um país sem vergonha. E o mundo inteiro fica se pegando em conversa fiada: “Ah, os Estados Unidos saíram do Acordo de Paris”. A China faz parte do Acordo de Paris, a Índia também. E eles não poluem só os países dele, eles poluem o mundo.  Eles vão continuar produzindo porque trata-se de um país sem vergonha. Pode botar essa citação aí! Você vai na Califórnia e os “verdinhos” adoram abraçar uma árvore, mas também adoram comprar coisa da China.

Como executivo do setor, qual sua opinião sobre as barragens como as utilizadas pela Vale? Dizem que é um modelo obsoleto e que não deveria mais existir, por conta dos riscos. Você concorda?

Seria irresponsável da minha parte tecer um comentário sobre caso específico da Vale, porque não tenho os dados. Mas te dou a resposta em relação ao que eu tenho na Cliffs. Temos barragens semelhantes às da Vale e vou dormir tranquilo à noite. Tenho todos os sistemas de testes, alertas e quando acontece alguma coisa, por menor que seja, a cadeia hierárquica é informada, inclusive eu. Depois do que aconteceu com a Samarco, a gente ainda fez uma avaliação de tudo que tinha e o que já era bom ficou ainda melhor.

Esse tipo de barragem é conhecido, é tecnicamente adequado, não tem nada de errado com ele, desde que os parâmetros técnicos sejam seguidos. Se um avião cair, não dá para dizer que ninguém mais anda de avião porque é muito perigoso.

As ações da Cliffs subiram mais de 50% neste ano, especialmente depois da divulgação dos resultados. Vocês terão um vento de cauda vindo do preço do minério?

A gente já estava contando que o preço iria melhorar, mas é claro que esse lamentável evento vai ter essa repercussão no preço, sem dúvida.  Nos nossos contratos existem três fatores que são determinantes para nossas pelotas aqui no mercado americano.

Primeiro é o preço da commodity – e o evento com a Vale está e vai continuar causando um aumento do ‘underlying price’ [o preço subjacente] da commodity. O segundo item que a gente leva em consideração aqui na nossa formação de preço é o preço de pelota da Europa.  Esse também está sendo impactado e vai ser impactado no futuro próximo pela ausência da Vale. A terceira perna é o preço de aço no mercado doméstico americano, que é indiretamente influenciado por conta do preço do mercado internacional. E desde o anúncio da Vale, o preço do aço no mercado americano começou a aumentar, já esperando o que vai acontecer no mercado internacional.