De janeiro a maio, quando o clima seco predomina em boa parte da Índia, o país é tomado por uma chuva de casamentos. De cerimônias extravagantes a mais intimistas, locais como estacionamentos de carros, jardins, praças públicas e até hotéis de luxo são transformados com flores, lanternas, estátuas de deuses e tecidos esvoaçantes, capturando o olhar divino onde quer que ele esteja.

Foi nesse período exuberantemente colorido que estive na Índia para celebrar minhas bodas de casamento, com uma pequena diferença: já vivia com meu “noivo” há mais de 30 anos. Eram nossas bodas de Pérola, e queríamos uma cerimônia mais espiritual.

A indústria de casamentos indiana é simplesmente um espetáculo, um negócio gigantesco. De acordo com um recente relatório da Jefferies, a Índia realiza o maior número de casamentos do mundo, cerca de 10 milhões por ano, com taxas crescentes. 

Em 2024, o casamento do herdeiro multibilionário Anant Ambani e Radhika Merchant fez manchetes em todo o mundo: “o casamento da década.” 

Casar na Índia é mais importante do que comprar roupas. Em 2024, os indianos gastaram U$ 680 bilhões em alimentos e bebidas, U$ 84 bilhões em roupas e acessórios, enquanto o total gasto com casamentos foi de U$ 130 bilhões, segundo o relatório da Jefferies.

O maior gasto dentro do orçamento dos casamentos é com joias. Dos U$ 130 bilhões, U$ 40 bilhões foram destinados a joias, U$ 25 bilhões aos comes e bebes, U$ 20 bilhões às produções e locações, enquanto as vestimentas representaram apenas U$ 10 bilhões.

O que move a indústria é a classe média, que faz 51% dos casamentos e 63% do total gasto. A elite representa somente 1% dos casamentos, mas 12% do gasto total. 

A Índia também tem a menor taxa de divórcios do mundo apesar de 90% dos casamentos serem arranjados pelas famílias.  Apenas 6% dos pretendentes utilizam plataformas online, com players listados na bolsa de valores como a Matrimony.com e Jeevansathi.com. 

Os indianos dizem que nós, ocidentais, primeiro nos apaixonamos e depois encontramos o amor, enquanto eles primeiro encontram o amor e depois se apaixonam.  (É pra pensar…)

Malas prontas, dois voos e 27 horas depois, chegamos a Delhi, onde eu tinha planos de confeccionar meu vestido em tempo recorde antes de seguir para o local da cerimônia: Agra, a cidade do Taj Mahal.

Com bastante pesquisa antecipada, eu já sabia o nome da rua onde os trajes mais luxuosos estavam à venda em Delhi. Separei algumas referências de vestidos bordados na cor vermelha, a cor símbolo de vitalidade, entusiasmo e prosperidade. Minha inspiração era o que Alia Bhatt, a famosa estrela de Bollywood, usou em seu casamento (dá um google para conferir a belezura). 

Com Raj, nosso guia privativo, pedi que nos levasse à “Oscar Freire das noivas” em Delhi. O varejo na Índia é peculiar. Raros são os shoppings modernos, o que predomina é o comércio de rua, inclusive para as marcas de luxo. 

Ao chegar lá, pensei que Raj havia se enganado. A tal “Oscar Freire ” era uma rua de asfalto rachado, calçadas estreitas e esburacadas, incensos, buzinas e samosas. 

Porém, conforme caminhávamos, comecei a ficar fascinada pelas vitrines. A Índia é famosa pelos bordados mais luxuosos do mundo, como o zardozi, uma técnica de bordado metálico que utiliza fios de ouro para criar desenhos intrincados. Chanel, Dior e Givenchy já utilizaram estes bordados em suas coleções.

Raj me acompanhava pela rua das noivas; era meu tradutor e negociador. A cada loja que eu admirava, ele hesitava ao meu lado, murmurando sobre os valores dos vestidos que ficam estampados na vitrine. Quando eu tentava entrar para experimentar, Raj dizia que o custo era equivalente a um carro, que poderia sustentar uma família ou até pagar um casamento intimista. 

Circulei entre vitrines por uma hora, ouvindo a voz de indignação de Raj e minha própria voz interna dizendo: “Eu vim até aqui, não vou desistir do vestido dos sonhos, certo?”. Até que Raj me sugeriu que eu conhecesse uma costureira que fazia modelos similares por 1/10 do preço.

Desta vez, a bordo de um tuk-tuk driblamos motos, vacas, bicicletas, carros e pessoas. Era uma corrida contra o tempo. 

Em minutos, estávamos em outro bairro, movimentado e lotado de ambulantes. Saímos da “Oscar Freire” de Delhi para a 25 de março. A entrada, uma pequena portinha que mais parecia ter saído de um filme sobre Pablo Escobar, nos conduziu a uma escada estreita e escura, iluminada apenas pela luz do celular de Raj. Subimos até a sobreloja, onde ficava o ateliê. Lá, a costureira, sua filha e o marido (com todas as maquininhas de pagamento à sua frente) estavam à nossa espera.

Eram tecidos e mais tecidos, cores e bordados de todos os tipos. Eu apontava para um e tentava captar a opinião deles, mas aquela mexida na cabeça dos indianos (meio sim, meio não) me deixava mais confusa. Até que um tecido vermelho com bordados dourados por toda a peça despontou, e eu, finalmente, disse sim.

A partir da minha escolha, a costureira “montou” o vestido sobre o meu corpo, fez todos os ajustes e enviou no dia seguinte para o hotel. Em menos de 24 horas, eu tinha um vestido sob medida pela bagatela de R$ 800. Sim, reais.

No caminho de volta ao hotel, Raj insistia, tentando me convencer de que eu fizera um ótimo negócio. Mas eu não conseguia parar de pensar nos vestidos luxuosos – inspirados nos casamentos de Priyanka Chopra, Alia Bhatt e Deepika Padukone – que eu deixei para trás.

O vestido que acabei comprando era bem inferior nos acabamentos, com bordados feitos a máquina –  enfim, muito diferente do que eu havia imaginado. 

Por que eu não comprei o vestido na tal Oscar Freire indiana? A verdade é que eu poderia tê-lo comprado sem incorrer num grande sacrifício financeiro, mas o que me impediu foi algo mais forte: o poder da empatia. Sabia que nunca mais veria Raj, mas não tive coragem de desconsiderar suas reações. A empatia me fez “sentir com Raj” e me colocar no lugar dele, entendendo seus sentimentos e perspectivas, mesmo que eu não compartilhasse da mesma experiência.

No final, também entendi por que a vestimenta não ocupa os primeiros lugares entre os gastos de um casamento indiano. Para eles, até a fotografia e a filmagem são mais essenciais, pois um vestido é apenas um adereço temporário. Valiosas são as memórias que se criam ao longo da celebração, que vai além da união de corpos: é a fusão das almas, nesta vida ou na próxima.

Nossa cerimônia durou quatro horas, conduzida por um guru, repleta de significados profundos. E, o meu vestido, símbolo daquele momento único, encontrou um novo propósito: doei à atendente do hotel, Anjali, que se casará no final do ano. Que uma nova história de amor seja escrita.

Anna Chaia é conselheira de administração de empresas de capital aberto e mentora de startups.