Eduardo Tadao Takahashi, o cientista-empreendedor que concebeu e desenvolveu o projeto de internet para o Brasil na década de 80, faleceu esta semana de forma inesperada. Ele tinha 71 anos.
Com energia e disposição infinitas para discutir problemas difíceis e complexos relacionados ao Brasil – de cunho social ou tecnológico – Tadao sempre foi norteado pela busca incessante de como usar a tecnologia da informação e comunicação em prol do desenvolvimento econômico e social do País.
Um titã da internet brasileira, Tadao entrou para o Internet Hall of Fame, um dos primeiros brasileiros agraciados com a honraria.
Conheci o Tadao em meados da década de 80, durante uma viagem internacional na qual, junto com outros cientistas brasileiros, visitamos centros de pesquisa da IBM na Europa e nos Estados Unidos (naquela época a IBM era a vanguarda do desenvolvimento científico e tecnológico na área de computação).
Durante o voo, ele me falou sobre três iniciativas estruturantes para o setor de computação brasileiro que ele estava ajudando a desenvolver: o projeto de implementar a internet brasileira; o projeto de globalizar a indústria brasileira de software (o SOFTEX, acrônimo de Software para Exportação); e o projeto de reequipar tecnologicamente as universidades públicas após o estrago feito pela famigerada Lei da Reserva de Mercado. (Google it, kids. Se ela ainda existisse, vocês ainda estariam usando Cobras, e não Macs.)
Nessa época eu era pesquisador do IMPA, o Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada, e era responsável pela área de desenvolvimento tecnológico do instituto. Voltamos da viagem com uma reunião agendada, pois Tadao queria conhecer o instituto.
Trouxe outros pesquisadores e, por alguns dias, discutimos os três projetos. Ao final, Tadao me fez a proposta de instalar a sede da RNP no IMPA.
(A RNP – Rede Nacional de Pesquisas – era a organização não-governamental que executaria o projeto de implementação da internet).
Explicou-me a proposta de modo bastante pragmático: iria enfrentar disputas políticas sobre a sede da RNP que tirariam o foco do projeto, e o IMPA era uma instituição neutra e sem quaisquer pretensões políticas relacionadas com o projeto da internet brasileira.
O IMPA abrigou a RNP por mais de 10 anos. Sim, a internet nasceu na casa da matemática, e eu acabei sendo atraído pelo Tadao para me envolver com a RNP e com o projeto de reequipamento das universidades.
Dos três projetos, Tadao abraçou com o coração o da internet, por vislumbrar o grande impacto econômico e social propiciado pela rede. Ele assumiu a liderança do projeto da RNP, conduzindo a estratégia e orientando a execução com brilhantismo.
Tadao tinha uma capacidade fenomenal de sempre se envolver com os problemas complexos e difíceis do País, fazer planejamentos com visão de médio e longo prazos, e ao mesmo tempo angariar talentos com capacidade executiva.
Olhando sob a perspectiva de hoje, planejar e executar a implementação da internet no Brasil parece ser um projeto simples e fácil. Afinal, é apenas instalar pontos de presença, criar as conectividades do backbone, conectar-se à rede mundial e disponibilizar o acesso a todos os stakeholders (população, empresas, universidades, escolas etc.)
Ocorre que o Brasil nunca foi para amadores.
Naquela época o setor de telecomunicações era completamente estatal, e a empresa responsável pela área de transmissão de dados era contrária à idéia de implementar no Brasil uma internet aberta, conforme já funcionava nos Estados Unidos e Europa.
O projeto estatal consistia em construir um walled garden, obviamente estatal, que já tinha até nome: BRASNET (tema que rendeu uma capa na revista Veja).
Como desmontar essa arapuca? Já vínhamos sofrendo com o atraso tecnológico imposto pela reserva de mercado, e agora corríamos o risco de dar um passo em falso na direção da rede mundial, que traria disrupção a diversos setores da economia e transformaria a própria sociedade.
A genialidade do Tadao conseguiu driblar a máquina estatal: o projeto da RNP foi encaminhado para a ONU, onde foi aprovado no âmbito da UNDP (United Nations Development Program), e aportou em Brasília pelo Itamaraty.
Aterrissar em Brasília com o beneplácito da ONU e embalado pelo Itamaraty era um bom começo. Todavia, como conseguir recursos financeiros?
Aqui houve uma conjuntura astral, que juntou a mente estratégica de Tadao com o fato de a RNP estar localizada no Rio, local onde seria realizada a ECO-92.
O grande evento ecológico necessitava de conexão com a internet: dezenas de jornalistas estrangeiros criavam a demanda, e Al Gore seria um dos keynote speakers divulgando sua plataforma de Internet e Sustentabilidade.
Tendo sido informados de que o sistema estatal de telecomunicações não teria condições de prover acesso à internet para o evento, os organizadores da ECO-92 entraram em contato com a RNP, negociando a instalação de uma infraestrutura completa de internet para o evento em troca da doação, para a RNP, de todos os equipamentos que a ECO-92 deveria importar.
Dessa relação de internet com sustentabilidade nasce o primeiro backbone da internet brasileira, nasce o domínio .BR conectando diversas universidades e instituições de pesquisa do Brasil.
Recentemente conversei com Claudine Bichara, uma grande amiga que participou da fundação da RNP e vivenciou os eventos que estou narrando.
Lembramos que agora em abril a ECO-92 completa 30 anos, que para nós é a comemoração da terceira década da internet brasileira, e acertamos de falar com o Tadao para celebrar a data de algum modo. Uma semana depois, recebemos a notícia do seu falecimento.
Em um dos últimos encontros que tive com Tadao, ele estava envolvido com o planejamento urbano de Brasília para os próximos 50 anos, e discorreu sobre sua insatisfação com os rumos tomados pela RNP, que para ele estava cuidando mais de infraestrutura do que pensando no desenvolvimento futuro da internet brasileira.
Essa é a imagem que fico de Tadao: um inconformista que olhava além do horizonte.
Não caberiam aqui todas as outras atividades e realizações do Tadao – afinal, está tudo na Internet…
Mas cabe fazer aqui uma homenagem merecida a este raro brasileiro que, sem nunca buscar os holofotes, contribuiu para o País de formas que poderiam passar despercebidas.
O Brasil precisa de (muitos) mais Tadaos.
Jonas Gomes é sócio da Gama Capital.