“Chiquita Bacana, lá da Martinica, se veste com uma casca de banana nanica.” A marchinha de Emilinha Borba tocava por todos os lados quando o arquiteto Jorge Zalszupin desembarcou no Rio de Janeiro em pleno carnaval de 1949, aos 26 anos de idade. Ele dizia que não tinha melhor maneira de ser recebido por aqui. Em pouco tempo, o bem humorado judeu polonês se tornaria um dos maiores nomes do design brasileiro. Zalszupin morreu ontem, aos 98 anos.
Peças como a cadeira Dinamarquesa, as poltronas Cubo e Brasiliana, e as mesas Pétala, Guanabara e Guarujá são reeditadas até hoje e frequentam projetos, revistas e livros de decoração mundo afora.
Ele ficou famoso pelo conforto e aconchego de suas obras, algo às vezes em falta em tantos móveis modernos. Zalszupin falava do conforto uterino — queria que suas peças nos levassem de volta ao ninho materno. Seu primeiro móvel de sucesso, em 1959, foi um carrinho de chá inspirado nos carrinhos de bebê de sua Polônia natal.
O designer perdeu a mãe aos 16 anos, em Varsóvia, quando ela foi levada para um campo de concentração, em 1940. Fugiu da Polônia para a Romênia com o pai, onde conseguiu estudar Arquitetura. Formado, foi para a França, onde arranjou trabalho na reconstrução de Dunkerque (a cidade da famosa batalha na Segunda Guerra). Morou por dois anos na vizinha Saint-Pol-sur-Mer (ou São Paulo sobre o mar).
Sua vida foi de uma São Paulo para outra. Não conseguiu se estabelecer no Rio, e foi contratado por um conterrâneo seu, Luciano Korngold, que havia se transformado em menos de uma década em um dos maiores arquitetos e construtores da Pauliceia (ao contrario de Zalszupin, porém, Korngold chegou a São Paulo com documentos falsos, apresentando-se como católico para não enfrentar problemas com o antissemitismo varguista).
Com o patrão, Zalszupin trabalhou na execução do enorme CBI Esplanada, no Anhangabaú, o primeiro arranha-céu racionalista da cidade (sede do Automóvel Clube e da Fundação FHC), e no Intercap, residencial de luxo na praça da República. Foi ali perto, na Livraria Francesa, que ficava no térreo do prédio onde Korngold e ele trabalhavam, na rua Barão de Itapetininga, que Zalszupin conheceu a mulher, Anette. Graças a Korngold, Zalszupin também se aproximou de muita gente da elite paulistana, que lhe encomendava não só projetos de casas mas também móveis modernos, então raros na acanhada e antiquada indústria brasileira.
Empreendedor, Zalszupin criou em 1960 a loja L’Atelier, no recém-inaugurado Conjunto Nacional, e uma fábrica de móveis que chegaria a ter 200 funcionários. Começou abraçando o jacarandá da Bahia, mas depois variou para ferro, vidro, aço e plástico. Colocou suas poltronas no Supremo Tribunal Federal (sim, aquelas que você já viu pela TV) e no Tribunal Superior Eleitoral. Nos anos 1970, quando vendeu a empresa para um grupo francês, manteve-se como diretor criativo, desenhando uma linha de produtos em plástico, a Eva, que levaria suas criações para as massas, de baldinhos de gelo a espremedores de frutas (o que poderia ter sido um esboço de uma Ikea brasileira).
Simultaneamente, continuou a trabalhar como arquiteto. Na mesma década de 1970, projetou o segundo shopping de São Paulo, o Ibirapuera, em Moema, o arranha-céu Grande São Paulo, na rua Líbero Badaró, e o Top Center, conjunto multiuso na Paulista a poucos metros de seu prédio mais famoso, o afunilado Edifício Sumitomo, que foi sede do grupo japonês entre 1974 e 2001. Sua forma de escorregador de concreto foi resultado da vontade do projetista de evitar os recuos obrigatórios à medida que o prédio de 27 andares crescia. Fugiu do formato bolo de noiva com um traço ousado, que começa no limite da calçada. Há pouco, ainda no pré-pandemia, a franquia Hard Rock anunciou um hotel no local.
Como quase tudo no País, a década de 80 foi perdida para o empresário, que viu as encomendas e os negócios minguarem, e a empresa fechar. Sentia-se esquecido, fora de moda talvez, e na década seguinte passou uma temporada na França, onde pensava se aposentar. Só em 2004, procurado pela também designer e empresária Etel Carmona, que passou a reeditar mais de 40 de suas criações, foi redescoberto. Finalmente, o modernismo dos anos 1950 se firmava como ponto alto do design não só aqui mas em todo mundo. Sua cadeira dinamarquesa, homenagem ao design escandinavo que tanto admirava, passou a ser exportada com firmeza.
Aos 92, lançou a autobiografia “De c* pra lua” (sic), onde conta suas façanhas de sobrevivente com muito humor. O título mostra como encarava os cumes e declives da vida. À época, dizia que queria criar uma espreguiçadeira para os casais “fazerem amor”. O nome? Trepadeira. Coisa de quem descobriu a graça do português em uma marchinha de carnaval.
Raul Juste Lores é editor-chefe da Veja São Paulo.
Fotos: Divulgação/Etel