Guilherme Emrich, o empresário mineiro que fundou a Biobrás e cujo pioneirismo foi uma referência para empreendedores, o venture capital brasileiro e o setor de biotecnologia, morreu ontem, de problemas cardiorrespiratórios. Ele tinha 78 anos.
Ao contrário de um mercado de startups que hoje chama de ‘inovação’ qualquer nova funcionalidade num app, Guilherme foi um empreendedor-raiz. Botou de pé uma biotech (e investiu em outras) antes mesmo do termo existir, e empurrou toda uma geração a pensar grande e fazer bem feito.
Ao lado dos amigos Walfrido e Marcos Mares Guia, Guilherme criou a Biobrás em 1976, quando havia apenas quatro fabricantes de insulina no mundo, um medicamento de altíssima tecnologia.
A empresa dominou o mercado nacional de insulina até ser vendida para a Novo Nordisk em 2001.
Em 1990, Guilherme criou a Fundação Biominas, hoje o maior cluster de biotecnologia da América Latina. Eduardo Emrich Soares, sobrinho de Guilherme e hoje presidente da Biominas, disse ao Brazil Journal que o tio criou a fundação para que a Biobrás pudesse crescer.
“Ele achava que a Biobrás nunca seria uma grande companhia se não tivesse outras empresas no entorno, para fortalecer o setor. Por isso criou a fundação, para incentivar outros empreendedores,” disse Eduardo, que estudou biologia e se embrenhou na fundação motivado pela paixão do tio.
Foi na BioMinas que, em 1997, nasceu a Habitat, uma das cinco incubadoras pioneiras do País e a primeira focada em biotecnologia.
Depois da venda da Biobrás, Guilherme e os sócios ficaram com uma parte do negócio que fazia o desenvolvimento, produção e comercialização de biomedicamentos, que passou a se chamar Biomm. A empresa é listada na Bolsa, mas tem poucas ações negociadas. De três anos para cá, a Biomm começou a importar e embalar insulina localmente, mas planeja voltar a ter produção local.
Também logo depois da venda da Biobrás, Guilherme criou a FIR Capital Partners, uma das primeiras gestoras de venture capital no Brasil. Em 2006, a FIR apoiou a criação da CSEM, um centro de pesquisa focado em nanotecnologia.
Atento às oportunidades também na área de TI, Guilherme investiu na Akwan, a startup fundada em 2000 pelos professores Berthier Ribeiro-Neto, Alberto Laender e Nivio Ziviani, a partir do site de buscas TodoBr.
Em 2005, a Akwan foi comprada pelo Google e se tornou o embrião do centro de pesquisa e desenvolvimento da empresa na América Latina.
Com tantos negócios bem-sucedidos, Guilherme é descrito pelos amigos e parceiros como um homem à frente de seu tempo e um exímio tomador de risco — com o raro diferencial de que também sabia gerenciá-lo como poucos.
“Guilherme deixa um legado de pioneirismo em inovação e na sua capacidade de enxergar muito longe. Ele via as oportunidades muito acima dos desafios,” diz Marcelo Guimarães, um dos fundadores da Oncoclínicas. A empresa, que chegou à Bolsa este ano, teve a FIR Capital entre seus primeiros investidores.
Levindo Santos, hoje sócio da G5 e que foi parceiro de negócios de Guilherme no início dos anos 2000, fala de um empreendedor simples no trato e, ao mesmo tempo, sofisticado.
“Ele lá atrás já investia em ciência, o que pode parecer inovador ainda hoje. E sempre dizia que não bastava dar capital, era preciso também apoiar os empreendedores,” disse Levindo.
No dia a dia, Guilherme gostava de contar causos e rir das próprias histórias. Levindo se recorda do empresário dizendo que não perdoava duas pessoas: o pai e o sócio Marcos, que haviam morrido antes dele. “Ele tinha muita saudade dos dois.”
Guilherme Caldas Emrich nasceu em 5 de julho de 1943 na cidade de Nova Lima, ao lado de Belo Horizonte. Não há relatos de uma veia empreendedora desde menino, mas sim uma paixão pelo mundo dos negócios que surgiu com o sucesso da Biobrás. Formado em engenharia, Guilherme concluiu cursos de pós-graduação em negócios nos EUA e na Europa.
Só nos últimos meses, já por problemas de saúde, deixou de participar das reuniões de conselho da Biomm. Era membro honorário do conselho curador da Fundação Dom Cabral.
Em 2010, Tiago Mendonça, CEO do ABC da Construção, procurou Guilherme durante as conversas para sua primeira rodada.
O velho empreendedor pegou o business plan, jogou pro lado e disse ao jovem que, para ele, “aquilo não valia nada, que a única certeza que ele tinha é que tudo ia ser diferente e ele precisava era confiar no piloto que estaria à frente pra decidir as mudanças de rota,” Tiago recordou ontem num post no Linkedin.
Num sinal de como a inovação e a ciência muitas vezes não são reconhecidas, até o momento da publicação deste artigo uma busca no Google não encontrava nenhum outro descrevendo a trajetória do empresário.
Guilherme bebia e fumava, o que o levou a problemas cardiorrespiratórios há algum tempo, e a uma internação domingo à noite.
O velório foi ontem, e a cremação será hoje em Belo Horizonte numa cerimônia reservada à família.
Ele deixa os filhos André, Déborah, e a esposa Carmen Bethonico.