Arnaldo Jabor – que como cineasta deixou uma obra enxuta mas incontornável, e como jornalista deu voz à indignação do brasileiro com os descaminhos do país – morreu na madrugada de hoje no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, onde estava internado desde 16 dezembro em decorrência de um AVC.

Ele tinha 81 anos e deixa três filhos: João Pedro, Juliana e Carolina.

Em suas duas carreiras, Jabor deixou um inteligente comentário crítico sobre o País. Os brasileiros acolheram o cineasta em seu dia-a-dia, identificando-se com os comentários políticos – ora ferinos, ora francamente debochados, mas sempre originais na linguagem – nos programas jornalísticos da rede Globo.

Filho de um oficial da Aeronáutica e de uma dona de casa, Jabor foi crítico de cinema nos anos 1960. Vinculado ao Cinema Novo, estreou na direção como documentarista, com dois curtas e o longa A Opinião Pública.

O primeiro filme de ficção, Pindorama, de 1970, não foi bem aceito. Três anos depois, com Toda Nudez Será Castigada, adaptação da peça teatral de Nelson Rodrigues, Jabor subiu ao primeiro time do cinema brasileiro. A obra de Nelson Rodrigues já fora filmada antes, mas – como relata Ruy Castro na biografia do dramaturgo, O Anjo Pornográfico – o autor andava em baixa e era desprezado pela esquerda, que o via como reacionário. Jabor ainda levaria um romance de Nelson às telas, O Casamento (1975), e gostava de citar as frases lapidares de Nelson nas colunas que mais tarde manteve em diversos jornais.

Veio então Tudo Bem (1978), com Fernanda Montenegro e Paulo Gracindo, e, encerrando essa fase da produção cinematográfica de Jabor, Eu te Amo (1981) e Eu Sei que vou Te Amar (1986), ambos filmes amparados no diálogo denso e visceral de casais em crise (vividos por Sônia Braga e Paulo Cesar Pereio no primeiro, e por Fernanda Torres e Thales Pan Chacon no segundo).

Quando a crise instalou-se também no cinema, com o Governo Collor puxando o plugue do financiamento do setor, Jabor decidiu mudar de ofício.

Um encontro fortuito com Fernando Gabeira, durante um vôo, abriu as portas para uma nova fase em sua vida. A seu pedido, Gabeira sondou a direção da Folha de S. Paulo sobre a possibilidade de empregar Jabor como colunista. O jornal aceitou, e o diretor consagrado tornou-se uma grife do jornalismo de opinião.

Crítico acurado de todos os governos, Jabor foi duro com Lula e Dilma – e cáustico com Bolsonaro. Teve uma nítida simpatia pelo ímpeto modernizante de Fernando Henrique Cardoso, mas mesmo assim apontava o personalismo do sociólogo presidente, que se casava à natureza do sistema político brasileiro. “Nosso presidencialismo tosco nos deixa ligados não a um programa político, mas sim às neuroses e cacoetes de um homem só,” escreveu em 2000.

Em paralelo às colunas de jornal – na Folha e também em O Globo e O Estado de S. Paulo, entre outros veículos – Jabor fazia seu comentário nos noticiários da Globo. Em 1997, com a morte de Paulo Francis, assumiu uma cadeira no programa Manhattan Connection, onde ficou até 2003.

Foi o homem certo para a substituição. Os dois eram diferentes tanto na política (Jabor, um liberal na acepção plena da palavra, estava à esquerda de Francis) como no estilo da prosa (Jabor era mais derramado e barroco; Francis cultivava a frase breve e cortante). Mas tinham em comum a permanente irritação com a burrice dominante na conversa política e cultural brasileira.

Inimigos das forças do atraso na política e na economia, Jabor e Francis denunciavam os enclaves oligárquicos instalados no Estado brasileiro, atacavam o ideário anacrônico de uma esquerda afetivamente dependente de Cuba e Venezuela e riam da breguice das altas lideranças da nação.

Como Jabor disse na sua última coluna no Estadão, em 2017, nada se compara ao “prazer de esculachar o cabelo implantado do Renan, o bigode e jaquetão do Sarney ou a cachoeira de rugas e valas que escorrem da cara do Lobão.”

Em 2010, ele voltou ao longa-metragem com o nostálgico A Suprema Felicidade. Sempre o polemista, Jabor usou sua coluna no Estadão  para responder a seus críticos, que segundo ele ou seriam militantes de uma patrulha ideológica que buscava “mensagens reacionárias” no filme, ou ignoravam completamente a história do cinema, achando que “o flashback foi inventado pelo Tarantino.”

O diretor deixou por lançar o seu 12° filme, Meu Último Desejo, baseado em obra de Rubem Fonseca. Seria o projeto que ele anunciava na última coluna para o Estadão, em 2017. No mesmo texto, ele explicou que escrevia “pela emoção de contribuir para o entendimento de mim mesmo e da nossa terra.” Essa emoção é compartilhada pelos leitores e espectadores que se despedem de Arnaldo Jabor.