O carioca Arlindo Domingos da Cruz Filho completa 67 anos neste domingo.

Mentes maldosas dirão que o cantor, compositor e instrumentista nascido em Piedade, no subúrbio do Rio, já não está mais entre nós. Teria morrido no dia 8 de agosto de falência múltipla de órgãos.

Mas, como naquela anedota do político populista, “ morreu para você, filho ingrato!” Embora não esteja mais aqui de corpo presente, Arlindo se manterá vivo pela imortalidade de suas composições (registradas por ele e por alguns dos maiores intérpretes da MPB), pelas inovações que trouxe para o samba e pela discografia – seja solo, como integrante do grupo Fundo de Quintal e ao lado do parceiro Sombrinha – que o colocam entre os grandes da música brasileira.

Estima-se que ao longo de 36 anos de trajetória Arlindo Cruz tenha criado cerca de 800 composições, nas quais burilou algumas das principais vertentes do samba. Militou no partido alto, o gênero popular nas rodas de samba, caracterizado pelo ritmo alegre e pelos versos criados praticamente de improviso; o “samba de meio de ano” ou samba-canção, com sua pegada mais romântica, e colaborou com artistas do hip hop (Dom M e Rappin’ Hood, além das resenhas quase diárias com Marcelo D2).

No quesito samba de enredo, emplacou nada menos que dezessete, que foram para a avenida com a Império Serrano – sua escola do coração – Grande Rio e Unidos da Vila Isabel, com quem se tornou campeão em 2013 com A Vila Canta o Brasil, Celeiro do Mundo – Água no Feijão que Chegou Mais Um, escrito ao lado de Martinho da Vila, Leonel, Tunico da Vila e André Diniz).

Em 2023, foi a vez do compositor ser homenageado pela escola que tanto amou. A Império Serrano desfilou com o enredo Lugares de Arlindo, que trazia entre os autores Sombrinha, seu parceiro de Fundo de Quintal e com quem formou uma dupla vencedora.

Filho de um policial que tocava cavaquinho nas horas vagas, Arlindo Cruz iniciou sua trajetória no mundo do samba aos treze anos, sob as bênçãos do cantor e compositor Candeia (1935-1978), que o levava para os pagodes da escola de samba Portela.

Naquele período, Arlindo já tinha conhecimento musical – estudou teoria musical, solfejo e violão clássico – e era mais conhecido como cavaquinista. Contudo, durante a adolescência pensou em seguir a carreira militar e foi estudar na escola preparatória Cadetes do Ar. O chamado da música, no entanto, falou mais alto.

Arlindo voltou ao Rio no início dos anos 1980 e se encantou com as rodas de samba do bloco Cacique de Ramos. Ali se desenvolveu um gênero chamado – erroneamente, claro – de pagode. Grupos como Fundo de Quintal criaram uma versão mais festiva do samba, adicionando instrumentos como tantã, repique de mão e banjo.

Este último foi uma invencionice do sambista Almir Guineto (1946-2017) que Arlindo desenvolveu como poucos, criando um estilo peculiar de tocar. Foi também nos pagodes do Cacique de Ramos que ele consolidou uma irmandade com um certo Jessé Gomes da Silva Filho, que entrou para a posteridade como Zeca Pagodinho. A dupla emplacou, entre outros clássicos do samba, O Bagaço da Laranja, gravada por Jovelina Pérola Negra, e Camarão que Dorme a Onda Leva, sucesso na voz de Beth Carvalho.

Em 1981 Arlindo entrou para o Fundo de Quintal, em substituição a Jorge Aragão. No mesmo ano, o cantor David Correia gravou Lição de Malandragem, parceria de Arlindo com Rixxa. Foi o ponto de partida para uma série de sucessos nas vozes dos mais diferentes intérpretes como Alcione (Novo Amor), Beth Carvalho (Camarão que Dorme a Onda Leva, Da Melhor Qualidade, A Sete Chaves e Jiló com Pimenta) e Maria Rita (que gravou seis composições do sambista, entre elas a bela Tá Perdoado), além do próprio Fundo de Quintal, que registrou canções como Castelo de Cera, Só pra Contrariar e O Show Tem que Continuar – gravada bem depois de sua saída do conjunto.

Arlindo partiu para a carreira solo em 1992. No ano seguinte, soltou o disco Arlindinho, mas se consolidou somente dois anos depois, em 1995, ao se unir com Sombrinha, seu parceiro de Fundo de Quintal. A dupla permaneceu unida até 2003, quando Arlindo sentiu que era hora de retomar o vôo solo. No ao vivo O Pagode do Arlindo, lançado no mesmo ano de 2003, deu vazão a uma série de sambas inéditos e medleys de seus principais sucessos, interpretados por sua voz aguda e rouca, outra marca inconfundível de seu estilo.

“O samba não morre porque o samba é a essência do povo brasileiro. Todo músico, um dia, não importa a essência, a influência ou a música que ele toque: todo músico brasileiro um dia vai cantar samba,” Arlindo disse certa vez. “Nem que seja na arquibancada, num churrasco na casa dele no fim de semana, nem que seja no Carnaval. Todo músico brasileiro vai cantar samba, com certeza.”

E certamente um desses sambas será de Arlindo Cruz.