Num laboratório no Centro de Genoma da USP, com orçamento limitado, a geneticista Mayana Zatz lidera uma das trajetórias científicas mais improváveis e bem-sucedidas do Brasil. “Se pudesse começar de novo, faria tudo igual,” diz.

Mayana Zatz nasceu em Tel Aviv em 1947. Mudou-se com a família para a França durante a infância e, em 1955, chegou ao Brasil. 

Seu interesse pela genética começou ainda no colégio estadual de São Paulo. Encantada pelas histórias de Louis Pasteur e Marie Curie, decidiu que queria ser cientista. Como a medicina ainda ignorava a genética, a saída foi fazer biologia.

Seu primeiro foco foi a distrofia muscular de Duchenne, uma doença degenerativa que atinge crianças e que, até então, não era estudada no Brasil. A partir de casos dramáticos, como o de uma família com três filhos afetados, Mayana criou um dos primeiros bancos de dados genéticos sobre o tema no País.

O trabalho ganhou relevância internacional, levando sua equipe a descobrir mais de 40 genes relacionados a doenças genéticas. Esse esforço colocou o Brasil no mapa do Projeto Genoma Humano.

Mas seu interesse não era apenas sequenciar e sim entender a função de cada gene. “Sequenciar é como ter um livro numa língua que você não entende,” diz. Ao estudar os genes responsáveis pelas distrofias, ela abriu caminho para o que viria a ser o estudo do genoma funcional.

Durante a epidemia de zika, enquanto o Brasil se preocupava com os casos de microcefalia, Mayana enxergou outra possibilidade: usar o vírus para atacar tumores cerebrais.

A ideia nasceu ao observar que o zika tinha afinidade por células progenitoras neurais — justamente o tipo de célula que alimenta certos tumores cerebrais. Em experimentos com camundongos e cães com câncer, a injeção do vírus causou regressão tumoral em grande parte dos casos.

A descoberta levou à criação da startup Vyro Biotherapeutics, com apoio de fundos privados como o Vesper Ventures. 

Outro projeto que ganhou atenção global foi o banco genético de idosos criado por Mayana. A partir do estudo de mais de mil pessoas com mais de 60 anos, sua equipe identificou mais de 2 milhões de variantes genéticas que não existiam nos bancos internacionais — dominados por europeus e asiáticos.

Durante a pandemia, o foco migrou para centenários que sobreviveram à covid-19 sem sintomas, reforçando a tese de que há genes de resistência ainda pouco compreendidos.

Apesar das dificuldades estruturais de fazer ciência no Brasil — que vão da burocracia para importação de reagentes à falta de investimento privado — Mayana mantém o otimismo. 

Ela vê a inteligência artificial como uma aliada na análise de grandes volumes de dados genômicos, mas reforça: “A máquina ajuda, mas a cabeça humana ainda é fundamental.”

Seu conselho aos jovens cientistas: “Se a sua paixão é a ciência, não desista. É uma carreira difícil, mas fascinante. E dá pra fazer ciência de qualidade aqui, no Brasil.”

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