Assim que a pandemia acabou, muita gente decidiu que era melhor aproveitar a vida do que morrer rico.
Consequência: as empresas de luxo venderam como nunca — e suas ações decolaram na Bolsa.
A LVMH, a maior do setor, aumentou seu faturamento em 50% entre 2019 a 2022. Outros segmentos cresceram ainda mais: as vendas de fashion & leather goods tiveram aumento de 80% no mesmo período.
Em 2021, o setor alcançou os maiores múltiplos da década. A Hermès chegou a negociar a 68x o lucro estimado para o ano seguinte; a Prada (49x), LVMH (31x), Richemont (27x) e a Kering, dona da Gucci (26x).
Mas este ano, as coisas estão voltando à realidade.
Os chineses passaram a viajar e consumir menos, e os americanos viram sua poupança diminuir. O resultado: as vendas voltaram a crescer apenas um dígito.
“É evidente que a onda de gastos pós-covid está começando a diminuir e o setor de luxo está voltando a ser cíclico,” Luca Solva, o analista da Bernstein, disse ao Financial Times.
Isso fica claro nos múltiplos das empresas para os próximos 12 meses: a LVMH, de Bernard Arnault, caiu para 21x; a Prada foi para 17x; a Richemont, para 15x; e a Kering 14x.
Já a Hermès ficou em 44x — mas não por acaso: um segmento que não deve ser tão impactado nos próximos anos, com uma estabilização do aumento das vendas, é o de ultraluxo.
“A Hermès está posicionada no topo da pirâmide. Enquanto é possível comprar uma bolsa por € 3 mil da Louis Vuitton, você não consegue encontrar uma bolsa da Hermès por menos de € 6 mil,” disse um gestor baseado em Londres que acompanha o mercado.
Não por acaso, as ações da Hermès sobem 31% nos últimos 12 meses. Como comparação, a Prada e a LVMH sobem 4% e 2%, respectivamente, enquanto a Richemont cai 3%. A Kering, dona de grifes como Gucci, Balenciaga e Yves Saint Laurent, sofreu mais e caiu 26%.
O tombo da Burberry também ajuda a explicar esse momento. Por não estar bem posicionada nos segmentos mais altos, a empresa teve vendas mais baixas do que suas pares no segundo trimestre – e abaixo das expectativas.
Na semana passada, a grife teve a maior queda diária dos últimos dez anos, e o UBS cortou o preço-alvo da ação de 1.614 para 1.525 pences; o banco já tinha dado um downgrade no papel para sell em outubro.
A correção do setor alimenta a expectativa de novos M&As. Uma pesquisa recente da Bloomberg com analistas e gestores mostra que entre os principais alvos estão a própria Burberry e a Hugo Boss.
Um gestor ouvido pelo Brazil Journal acredita que há poucas opções no mercado e a que faria mais sentido, até pelo posicionamento maior no ultraluxo, seria um negócio com a Richemont, dona de grifes como Cartier, Vacheron Constantin e Montblanc; os compradores naturais seriam a LVMH e a Kering.
Neste ano, a Kering já fez duas aquisições: pagou € 1,7 bilhão por 30% da Valentino e comprou a perfumaria britânica Creed por € 3,5 bilhões.
Enquanto mais aquisições não acontecem, as empresas de luxo esperam a próxima janela de oportunidade para acelerar o crescimento orgânico. Por ser um setor cíclico, são normais períodos de estabilização seguidos por outros de forte crescimento – especialmente com novos países enriquecendo.
O Japão foi responsável por boa parte do crescimento na década de 90, enquanto a China foi o motor das vendas nas duas décadas seguintes. Agora, segundo um estudo da Bain, o Oriente Médio (leia-se Arábia Saudita) e a Austrália aparecem como destinos para se ganhar dinheiro no curto prazo.
Sem falar na Índia.
“A Índia é uma fronteira em que todas essas empresas falam. Ainda não aparece nos resultados – da mesma forma que a China não era tão importante nos números dessas empresas em 2011,” disse o gestor.