Imagine um gestor completamente desolado, sem a menor ideia do que fazer, que passa o dia deitado num sofá olhando para o teto, incapaz de fazer com que seu fundo tenha o mínimo de sucesso. 

Sua depressão é tamanha que alguns funcionários chegam a achar que o chefe estava contemplando a ideia de suicídio. 

10868 0e3e714a 661b 7e2b d648 63af1e00afe7O homem em questão era Jim Simons, fundador da Renaissance Technologies, ou RenTec, que décadas depois seria reconhecido como o gestor mais bem sucedido da história. 

Seu fundo flagship, o Medallion, rende 66% ao ano antes das taxas  — e 39% após os custos (5% de administração e 44% de performance) — desde 1988, gerando mais de US$ 104 bilhões de riqueza para seus cotistas. O que parece alquimia tem uma explicação: pura genialidade matemática. Com um time de PhDs formados nas melhores escolas do mundo, o Medallion nunca teve um ano negativo desde sua criação em 1988. 

Pouco se sabe sobre o operacional e as estratégias do Medallion, mas Greg Zuckerman do The Wall Street Journal foi feliz em “The Man Who Solved the Market: How Jim Simons Launched the Quant Revolution”, que narra em 384 páginas a fantástica história de como Simons, um prodígio matemático e quebrador de códigos secretos na Guerra Fria, criou a maior máquina de fazer dinheiro da história dos mercados. 

O livro explica o mundo do investimento quantitativo para leigos ao mesmo tempo em que conta a biografia do fundo e de seus excêntricos funcionários e criadores. 

Simons não era aquele típico nerd que ficava horas no computador como Bill Gates. Após se graduar em matemática pelo MIT aos 20 anos de idade, pegou uma lambreta e viajou até a Colômbia junto com amigos da faculdade, fazendo o trajeto em sete semanas e atravessando lugares inóspitos na América Central. Depois da viagem, foi para a Costa Oeste se doutorar em matemática. 

Foi na UC Berkeley que Simmons teve seu primeiro contato com o mercado financeiro, operando commodities com as economias que amealhou como presente de casamento (algo como US$ 5 mil).  O aluno diligente acordava cedo para cruzar a ponte e estar às 7:30 a.m. no escritório da Merrill Lynch em São Francisco.

Após ficar pouco acima do zero a zero, não demorou muito para Simons concluir que ou focava no doutorado ou operava commodities. Escolheu o doutorado, mas a vida de trading nunca lhe saiu da cabeça.

O embrião do que viria a se tornar a RenTec começa em 1978, quando Simons deixa uma confortável carreira acadêmica para tentar a sorte no mercado financeiro. Naquele momento, Simons era chefe do departamento de matemática da Universidade de Stony Brooks, nas cercanias de Nova York. 

Quando assumiu o posto, o departamento da modesta universidade não tinha a menor relevância, ou sequer algum matemático minimamente proeminente. Simons assegurou financiamentos e começou a trazer nomes relevantes, alguns dos quais se tornariam seus sócios mais tarde, como James Ax, que veio de Cornell. 

Simons tinha um poder de convencimento acima da média para seduzir mentes brilhantes, uma habilidade que se revelaria crucial para forjar o futuro da RenTec.  

Simons intuiu que, olhando o gráfico de um dado ativo financeiro, existe um padrão a ser explorado por computadores de forma sistemática. Ele queria um sistema que pudesse operar 24 horas por dia, em qualquer mercado ao redor do globo, e que fizesse dinheiro “enquanto ele dormia.” 

Naquele momento, esse sistema totalmente automatizado só existia nos sonhos.  Simons não conseguia ganhar dinheiro (ou ‘gerar alfa’, como se diz no mercado) com consistência usando as técnicas tradicionais. No auge de sua frustração, prostrado no sofá do primeiro parágrafo, ele decide que é preciso tirar a emoção da equação e deixar os algoritmos assumir o controle.

Após atrair matemáticos de ponta como Ax e Lenny Baum, ambos ex-colegas, Simons traz Ewin Berlekamp, um teórico da informação de UC Berkeley (o livro erroneamente diz que Berlekamp é especialista em teoria dos jogos, apesar de mencionar seu background como aluno de Claude Shannon e Peter Elias no MIT, ambos teóricos da informação). 

Berlekamp compra sua sociedade na gestão do fundo, melhora toda a estrutura de algoritmos e começar a apresentar resultados sólidos. Algumas estratégias desenvolvidas por Berlekamp já rendiam ao redor de 30%, mas Simons quer mais. Acreditando que seria impossível alcançar resultados melhores, Berlekamp vende sua participação por 6x o que pagou.  O que naquele momento parecia um grande trade acabaria se revelando o pior.

Inicialmente a estratégia focava apenas no mercado de futuros, algo que Simons percebeu que seria um enorme gargalo e limitaria muito o tamanho do fundo. Caso as posições do fundo começassem a ser grandes demais, elas gerariam distorções relevantes e acabariam revelando ao mercado quem estava por trás delas.  O mercado atuaria na ponta oposta e o Medallion poderia acabar perdendo dinheiro.

O único jeito de resolver o problema era buscar estratégias que funcionassem em mercados bem mais líquidos, como o de ações. Simons já mantinha um pequeno grupo que tentava, sem o menor sucesso, desenvolver estratégias que funcionassem para ações. Mas o nível de sucesso do grupo era tão baixo que até virou piada entre os funcionários que comandavam a vitoriosa estratégia de futuros.

Mais uma vez, o destino (e a sorte) trariam os cérebros certos para a RenTec.

Por décadas, a IBM investiu pesado em uma tecnologia que fosse capaz de fazer um computador entender a fala humana. A tecnologia foi desenvolvida aos poucos, ano após ano, até que em dado momento a IBM tinha algo comercializável. Com o mais complicado já pronto, a empresa decidiu reduzir custos, o que gerou enorme insatisfação entre seus gênios.

Nick Patterson, que trabalhava para Simons, viu a oportunidade de recrutar esse time. O campo de reconhecimento de fala foi onde muita das técnicas de inteligência artificial amplamente difundidas hoje foram desenvolvidas. A equipe da IBM, liderada por Bob Mercer e Peter Brown, tinha ampla experiência em analisar uma enorme quantidade de dados e construir sistemas de processamento que pudessem reconhecer padrões, tudo de forma eficiente. Ambas as técnicas poderiam ser facilmente replicadas no mercado financeiro, onde a quantidade de informações é enorme. Mercer e Brown foram recrutados. 

O caminho, no entanto, não foi fácil. Após inúmeras tentativas que ao longo de anos, a equipe finalmente conseguiu desenvolver modelos para operar o mercado de ações com os altos e consistentes retornos almejados por Simons. No processo, criaram técnicas que hoje são amplamente usadas por fundos sistemáticos, como por exemplo algoritmos de execução de ordem que evitam seu impacto no mercado e mascaram a estratégia que está por trás. Aos poucos, Mercer e Brown se tornaram as figuras mais importantes da gestora após Simons.

O livro dedica um bom espaço a Mercer, um indivíduo brilhante e de opiniões controversas. Já bilionário, Mercer usou sua influência e fortuna para ajudar a eleger Donald Trump. Seu alinhamento político com o Trumpismo acabou incomodando alguns investidores, o que levou Simons a pedir que ele se afaste das tarefas executivas, deixando o comando para Peter Brown. 

Simons aparece no livro como um indivíduo fascinante, de curiosidade insaciável, que alcança êxito em todas as suas carreiras guiado pelo desafio. Em uma de suas entrevistas, ele disse que uma das razões pela qual preferia operar sistematicamente é que ele não conseguia identificar se um dado “trader” era talentoso — mas sabia avaliar se um cientista era fora da curva. Junto com sua capacidade de gerir pessoas e crises, isto talvez seja o que fez dele o gestor mais bem sucedido da história.   

Arthur Cunha e Victor Candido são sócios da Journey Capital.

SAIBA MAIS:

Um ‘black box’ na Casa Branca: como Bob Mercer pode eleger Trump