PARIS – Nem a confusão dos aeroportos, nem as filas nas farmácias para validação do chamado passaporte sanitário ou para a realização de testes de covid parecem ter diminuído muito o movimento de turistas ou o hábito parisiense de frequentar cafés e restaurantes.

Neste fim de ano, Paris continua a proverbial festa – ainda que, pela força das circunstâncias, mais próxima a um baile de máscaras.

Para os restaurantes mais badalados, não adianta sequer insistir se não tiver reserva.

Para o brasileiro, a situação aqui chega a ser engraçada. Em primeiro lugar, o voo Rio-Paris em pleno 23 de dezembro estava lotado. Ao chegar à cidade, ouve-se português por todas as esquinas. E a principal prioridade é procurar uma das farmácias credenciadas (há várias pela cidade) para tirar o Certificat de Vaccination francês, mediante apresentação do certificado brasileiro e do passaporte. O documento está sendo realmente exigido na entrada dos restaurantes.

Na noite de Natal, um dos restaurantes mais tradicionais que organizaram ceia especial para a data foi o clássico La Tour d’Argent, uma estrela Michelin e dono de uma das mais lindas vistas para o Sena. Ao questionarmos um dos maîtres sobre como anda o movimento da casa, a resposta foi direta:

– Muito bem. Para o jantar de hoje, as reservas terminaram há dois meses.

Para a ceia de Natal, o menu fechado infelizmente não incluiu o prato mais tradicional da casa, o Caneton au Sang (ou à la Presse), o pato feito com o molho de seu próprio sangue. Mas trouxe, em compensação, um tartar de vieiras com creme de haddock, foie gras e linguado.

Além da vista, uma experiência à parte no Tour d’Argent é a consulta à carta de vinhos, do tamanho de uma enciclopédia. O livro é tão grande que vem acompanhado de uma pequena mesa de apoio!

A carta reflete a importância da mítica adega do restaurante – 320 mil garrafas! – mantida com a curadoria do sommelier inglês David Ridgway. Diz a lenda que, pouco antes da invasão alemã a Paris, na Segunda Guerra, os donos do restaurante decidiram emparedar a maior parte dos vinhos para escondê-los e evitar saques.

A carta de vinhos do Tour d’Argent é fortemente baseada na Borgonha e representa em detalhe os produtores e micro-regiões de lá. Um conselho prático: se você não for um mega especialista em Borgonha, peça ajuda ao sommelier para navegar a carta enciclopédica e escolher uma garrafa que reflita seus gostos pessoais e a profundidade do seu bolso. No nosso caso funcionou bem, com a indicação de um intenso Beaune Premier Cru Clos des Ursules 2009.

Para o jantar do dia 25, decidimos correr o risco de cair numa “tourist trap” e reservamos o cruzeiro “Ducasse sur Seine”, para degustar o menu de Alain Ducasse sobre o rio que espelha a cidade.

E foi uma linda experiência, devo admitir. O barco utilizado é todo envidraçado, o que permite apreciar a bela vista do roteiro de ida e volta entre a Torre Eiffel e a Notre Dame. Além disso, seu motor é elétrico, sem o ruído típico das embarcações do Sena.

O jantar foi excelente também, com um menu degustação harmonizado com os vinhos. Em geral, fujo dessas harmonizações porque acho que os vinhos escolhidos nunca são de alta qualidade. Mas neste caso funcionou, com opções como Puligny-Montrachet, Pouilly-Fuissé e champagne Moët Chandon. No menu, tradições francesas como pâté en croute, lagosta, vieiras e vitela.

E, no final, o privilégio da vista da Torre Eiffel do meio do rio, sem obstáculos. Um encantamento, daqueles que surpreendem mesmo quem sempre frequentou Paris.

 

Flávio Ribeiro de Castro é jornalista e ama comida, vinhos e charutos.