O Banco Central poderá exigir em breve uma dose adicional de capital de segurança às instituições financeiras, impondo pela primeira vez o chamado “buffer anticíclico” – um mecanismo criado internacionalmente na esteira da crise financeira global e nunca aplicado no País.
O sistema, cuja lógica é formar uma ‘poupança’ de capital para absorver eventuais choques no mercado de crédito, vem sendo adotado por um número crescente de países. No Brasil, a ferramenta foi instituída formalmente em 2017, mas desde então o percentual desse buffer tem sido mantido em zero.
Na última reunião do Comitê de Estabilidade Financeira (Comef), no fim de maio, o BC analisou a possibilidade de colocar o mecanismo em ação – e disse na ata que considera a experiência internacional “positiva para a estabilidade financeira.”
A próxima reunião do Comef será em agosto.
A ferramenta dá maior flexibilidade à regulação da liquidez na economia. Em momentos de estresse, a liberação do buffer contribui para manter a fluidez do crédito sem obrigar os bancos a reduzir a alavancagem.
Segundo fontes ouvidas pelo Brazil Journal, o BC estuda anunciar a exigência de uma elevação gradual dessa poupança de capital – o que, apesar de ser uma medida regulatória, poderá contribuir na política monetária, aliviando a pressão sobre a Selic como principal instrumento de controle da inflação.
Segundo o BC, a taxa neutra do Adicional Contracíclico de Capital (ACCP) vem sendo mantida em zero porque o atual ciclo de expansão do crédito tem sido compatível com a evolução da atividade econômica.
Além disso, como notou a autoridade monetária em comunicações recentes, a maioria das instituições financeiras – sobretudo as de maior importância sistêmica – mantêm um nível de capital e liquidez adequado e até acima dos requerimentos prudenciais.
O que entrou em análise agora é a aplicação de uma “calibragem positiva” para o ACCP. Dessa maneira, os bancos acumulariam, de maneira gradual, um capital adicional, ampliando o espaço de manobra para a atuação da política prudencial.
“As instituições financeiras teriam mais condições de absorver perdas oriundas da reversão do ciclo de crédito ou de eventos inesperados não relacionados ao ciclo de crédito, sem restringir significativamente a concessão de crédito,” disse ao Brazil Journal um técnico do Governo a par das discussões.
“A experiência de outros países mostra que, em situações de crise, a liberação do buffer tem forte efeito sobre a capacidade dos bancos de manter o fluxo de crédito.”
Hoje 28 países adotam um valor positivo para o buffer – entre eles, países tão diversos como Chile, Austrália, Reino Unido, Espanha, África do Sul, Coreia do Sul, Holanda e Suécia.
A ideia do buffer é equilibrar a tendência ‘procíclica’ do crédito – isto é, cresce rapidamente nos momentos favoráveis e de confiança robusta, mas pode colapsar repentinamente em situações de crise.
A adoção desse capital adicional faz parte das políticas prudenciais recomendadas pelo Fundo Monetário Internacional e pelas orientações do Comitê de Basiléia.
Em geral, os países que adotam essa poupança exigem valores entre 1% e 2% para além dos mínimos determinados pelos Acordos de Basileia.
No Brasil, como o ACCP está em zero, não há como reduzi-lo em face a algum evento inesperado que trave a oferta de crédito.
O melhor momento para colocar o buffer em território positivo, recalibrando o capital macroprudencial, é quando o sistema financeiro ostenta uma situação confortável de liquidez de expansão do crédito. O BC indicou que, caso siga a nova sistemática de exigir o buffer, a adoção será gradual.
A queda do dólar e o alívio das pressões inflacionárias aumentaram as apostas de que a redução na Selic poderá ser antecipada, talvez ainda neste ano. É um cenário que poderá favorecer a implementação do buffer – mas o risco é a medida ser interpretada como uma política monetária heterodoxa, disse ao Brazil Journal um ex-diretor do BC.
Para o economista Bráulio Borges, da LCA Consultores, que vem estudando o assunto, o buffer já deveria ter sido acionado, entre outros motivos porque o hiato do crédito – um indicador calculado pelo BC – está positivo.
“O colchão de capital anticíclico é um tipo de medida macroprudencial, previsto no Comitê da Basiléia e que vem sendo usado por vários países,” disse Bráulio. “Não tem nada de heterodoxo.”
Em sua opinião, não cabe fazer comparações com o que foi feito em 2010 e 2011, quando o BC usou sim medidas prudenciais de maneira heterodoxa para substituir a política monetária – “de maneira discricionária, sem nenhuma regra.”