O governo do Reino Unido anunciou recentemente o fim de uma antiga isenção de impostos que beneficiava os estrangeiros donos de grandes fortunas – pegando de surpresa milionários e bilionários que haviam escolhido o país para viver e administrar seus recursos.
O tratamento especial remonta aos tempos do Império Britânico. É uma regra com mais de 200 anos, criada em 1799 para beneficiar os ingleses que tinham posses e atividades comerciais nas antigas colônias.
Pelo sistema, as pessoas consideradas como ‘non-doms’ – isto é, ‘não domiciliados,’ que moram no UK mas têm residência tributária em outros países – não precisam pagar imposto sobre lucros e rendimentos obtidos no exterior, desde que não remetam os ganhos de capital para o Reino Unido.
É uma classificação para efeitos tributários, sem nenhuma relação automática com nacionalidade ou cidadania. As pessoas admitidas pelas autoridades nessa categoria ficavam isentas – por até 15 anos – de pagar impostos sobre o dinheiro que ganham em outros países.
A regra fez de Londres um ímã para os ricos de todo o mundo. Eles são obrigados a pagar um valor único de £ 30.000 ou £ 60.000 ao ano, dependendo do tempo de permanência.
“Não é para qualquer um, mas sempre recomendei Londres aos meus clientes como uma excelente opção – e bastante confiável – para planejamento tributário,” o executivo de wealth planning de um banco internacional disse ao Brazil Journal.
Mas agora, acabou-se o que era doce: a isenção vai chegar ao fim em abril de 2025, anunciou Jeremy Hunt, o Chancellor de the Exchequer, o cargo equivalente ao ministro das Finanças do Reino Unido.
Pelas regras previstas para entrar em vigor no próximo ano, os novos non-doms não serão tributados sobre rendimentos e ganhos auferidos no exterior, remetidos ou não para o Reino Unido, nos primeiros 4 anos. Após esse período, ficarão sujeitos a todos os impostos, como qualquer cidadão britânico.
Haverá um período de transição de dois anos para quem já tem o status ‘non-dom.’ Os que estão há mais de 10 anos na categoria poderão aproveitar mais 4 de isenção. Haverá alívio temporário nos impostos para os interessados em remeter recursos para o país.
“Os 4 anos são um tempo relativamente curto para justificar a mudança de uma família. Deve atrair apenas quem já tinha planos de se transferir para lá,” disse o tributarista Edgar Gomes, sócio do TAGD Advogados.
Os políticos britânicos estão há tempos sob pressão para eliminar o benefício. Em 2017, o também conservador George Osborne já havia aplicado um endurecimento da regra. Os estrangeiros que moram no Reino Unido por mais de 15 anos dos últimos 20 anos passaram a ser considerados com domicílio no país – e, por isso, não podem mais aproveitar o tax holiday.
A janela de isenção agora passará a ser muito mais estreita, caindo de 15 para 4 anos, o que, de acordo com especialistas em gestão de fortuna, poderá provocar uma diáspora de endinheirados.
Há quase 69 mil pessoas com status de ‘non-doms’ vivendo no Reino Unido, a maior parte delas vindo da Europa Ocidental e dos EUA.
Mas há também indianos, como a empresária Akshata Narayana Murty, mulher do primeiro-ministro Rushi Sunak e herdeira da Infosys, a empresa de tecnologia indiana.
Em 2022, a imprensa britânica revelou que ela não pagava impostos no Reino Unido, e a crise gerada por pouco não derrubou Sunak. É mais um motivo – político – para o primeiro-ministro rever a isenção para estrangeiros.
Segundo o Financial Times, a decisão de rever a vantagem tributária provocou “raiva” e “indignação” entre os estrangeiros. Acabar com a isenção era uma bandeira dos trabalhistas, mas causou surpresa ela ter sido anunciada pelo atual governo conservador.
“Ninguém esperava que viesse dos Tories,” disse ao FT um europeu que há mais de uma década vive no Reino Unido. “Vamos abandonar Londres e ir para a Suíça.”
Com a decisão, Hunt ‘roubou’ uma proposta dos adversários e espera arrecadar £ 2,7 bilhões (o equivalente a US$ 3,4 bilhões) ao ano. O valor se somará aos £ 8,5 bilhões, em média, em outros tributos locais que os estrangeiros já pagam.
O Partido Conservador está mal nas pesquisas e há grande chance de perder o governo nas eleições deste ano, que devem ocorrer em julho.
Para os donos de grandes patrimônios, Londres já não é mais a mesma. Desde o Brexit, muitas instituições financeiras tomaram a decisão de reduzir sua presença na capital britânica – e alguns executivos de wealth planning notam o aumento de um sentimento anti-imigrantes.
Além da Suíça e de Mônaco, tradicionais abrigos dos plutocratas globais, outros países que poderão sair ganhando são a França e a Itália.
Portugal é outro destino lembrado pelos gestores de patrimônio, mas o país – um favorito entre os brasileiros – deixou de ser vantajoso como no passado.
Os portugueses mantinham um regime similar ao britânico, concedendo até 10 anos de isenção para os estrangeiros. A regra foi extinta no ano passado.
“É possível solicitar o benefício para quem mantém algum tipo de vínculo com Portugal, como por exemplo um contrato de locação em andamento ou a compra de um imóvel, em ambos os casos antes de 10 de outubro de 2023,” disse o advogado Roberto Barrieu, sócio do Cescon Barrieu.
Outra alternativa, para quem não possui este vínculo, é se encaixar em algumas situações específicas previstas na nova legislação, que trouxe incentivos para pessoas envolvidas em inovação tecnológica e científica.
A Itália desponta como um possível refúgio, oferecendo isenção por até 15 anos. Os estrangeiros aprovados pelo programa precisam pagar só € 100 mil por ano – um valor fixo, não ligado ao patrimônio ou à renda.
Outro país de tax holiday atraente para brasileiros é o Uruguai, com isenções de até 11 anos. (O vizinho também não cobra tributos sobre doações e heranças.)
Em todos esses casos de alívio tributário, as pessoas precisam comprovar que moram de fato no país, ao menos por alguns meses do ano.
No caso do Uruguai, os estrangeiros precisam ficar no país ao menos 60 dias/ano – além de ter uma propriedade de valor superior a US$ 500 mil ou investimentos acima de US$ 2,2 milhões.