Com competência empresarial e uma sanha aquisitiva raras vezes vista, a Rede D’Or se tornou nos últimos anos o gorila do setor de saúde brasileiro.
Ontem, o gorila subiu no Empire State.
O mercado de saúde entrou pela madrugada discutindo as inúmeras implicações da compra da SulAmérica pela Rede D’Or – o passo mais ousado até agora na estratégia da família Moll de (pelo jeito) tornar a Rede D’Or o ‘one-stop shop’ do mercado: do hospital à operadora, passando pela corretora.
É difícil conhecer exatamente o que vai pela cabeça de Jorge Moll, mas em conversas com o Brazil Journal, investidores e múltiplos players do setor detalharam cenários sobre o que motivou a transação – e os prováveis próximos passos da companhia que vale R$ 112 bilhões na Bolsa.
Ainda que alguns apontem a fusão Hapvida-Intermédica como um gatilho para a transação de ontem, a compra da SulAmérica não posiciona a D’Or para concorrer com a Hapvida.
“O modelo verticalizado é outro modelo mental, exige outra estrutura hospitalar, outro modelo de gestão,” diz um executivo do setor. “O mais provável é que a D’Or viu a SulAmérica como um dos poucos ativos com escala que restam no mercado.”
O pano de fundo para a compra da SulAmérica é não o que já aconteceu, mas o que ainda vai acontecer: a venda da Amil, que ainda está sendo disputada pela Rede D’Or e pela Dasa – uma operação ainda mais transformacional que se desenrola em slow motion dadas as complexidades regulatórias envolvidas.
Ninguém no mercado de saúde considerava Patrick Larragoiti vendedor. Com uma história familiar que se confunde com a da própria SulAmérica, Patrick sempre se regozijou na posição de controlador, apesar de pressões recentes dentro da família por mais dividendos.
Mas a SulAmérica tinha um problema.
Com cerca de 200.000 vidas altamente rentáveis vendidas pela Qualicorp – hoje controlada de fato pela Rede D’Or – Patrick sabia que uma eventual compra da Amil pela D’Or colocaria em risco a manutenção desta carteira na SulAmérica. Ao se tornar verticalizada, a Rede D’Or começaria a concorrer com as operadoras.
Com este risco no radar e um prêmio de 50% sobre a mesa, o chairman da SulAmérica optou por fazer um hedge: a venda eliminava seu risco de mercado, e os acionistas continuam expostos ao upside do setor via Rede D’Or.
“Como a SulAmérica é o segundo maior cliente dos Moll e a Qualicorp pode direcionar as vendas para a operadora que quiser, a relação entre eles era de co-dependência, mas se a D’Or ficasse dona da Amil, do ponto de vista da SulAmérica a relação passaria a ser de dependência,” disse um investidor.
A questão agora é se a Rede D’Or ainda pode levar a Amil.
No headquarters da UHG em Minnesota, alguns executivos defendem uma venda completa da operação no Brasil; outros, que a companhia venda os hospitais mas continue dona da operadora – o core business da gigante americana.
Com esse dilema em mente, alguns participantes do mercado suspeitam que a Rede D’Or tenha proposto à UHG comprar o controle do negócio de hospitais e ficar minoritária na operadora de saúde – um desenho que permitiria à UHG continuar consolidando o negócio em seu balanço.
Pelo menos no papel, os obstáculos regulatórios a uma fusão D’Or/Amil são imensos, o que leva alguns gestores a acreditar que a transação de ontem significa forçosamente que a Amil acaba de cair no colo da Dasa.
Para essa escola, seria impensável o CADE aprovar D’Or/Amil/SulAmérica, uma operação que significaria uma consolidação ao mesmo tempo horizontal (os hospitais) e vertical (a operadora).
Mas outros acham que a compra de uma participação minoritária na Amil permitiria à Rede D’Or fazer o mesmo discurso que faz na Qualicorp – a de que é ‘apenas’ acionista, mas não controlador.
Esse modelo de minoritário na Amil, no entanto, esbarra no fato de que o CADE certamente veria Amil/Qualicorp/SulAmérica/D’Or como um mesmo grupo econômico. Além disso, por que a UHG traria um sócio minoritário que, já sendo concorrente, não planeja contribuir aquela operação (a SulA) dentro da sociedade? Os americanos topariam esse desalinhamento?
A D’Or hoje tem vantagens competitivas sobre a Dasa na disputa pela Amil: mais músculo financeiro e mais management. Os Moll sabem recrutar talento com uma agressividade digna de aplauso.
Nos últimos três anos, conseguiram interceptar dois executivos de peso que estavam indo para a concorrência. O primeiro foi Maurício Lopes, que deixou a vice-presidência de saúde da SulAmérica com tudo certo para se tornar o CEO da Amil. O segundo foi Raquel Giglio, que ocupava o mesmo cargo na SulA e havia recebido um convite da Dasa. Hoje, ambos trabalham na Rede D’Or.
Por ora, a compra da SulAmérica já é suficiente para colocar todos os players em alerta. O maior perdedor imediato é a Bradesco Saúde, que, ironicamente, é hoje o maior cliente da Rede D’Or – e acordou sua concorrente. (A SulAmérica e Bradesco disputam o mesmo público.)
Na Hapvida Intermédica – cuja tinta da fusão ainda nem secou – uma compra da Amil pela D’Or permitiria aos Moll criar uma gama de produtos de tíquete mais agressivo – uma demografia até agora dominada pela empresa recém fundida.
Fato é que o mercado de saúde brasileiro amanhece hoje sob uma nova realidade.
“Se a compra da Amil vingar,” diz um executivo do setor, “você vai ter dois sistemas no Brasil: o SUS e a Rede D’Or. O resto que se vire.”