No fim de semana, a Tiffany & Co. recebeu do grupo LVMH uma oferta de compra não solicitada a US$ 120 por ação, avaliando o equity da empresa em aproximadamente US$ 14,6 bilhões.
A transação segue linha por linha o playbook de Bernard Arnault — a questão é saber se ele está pagando o suficiente.
A LVMH tem um longo histórico de aquisições e um modelo de integração que preserva a identidade das marcas adquiridas. Dado o estágio incipiente das conversas, é possível que a transação nunca aconteça — ou que haja um leilão, uma vez que outros conglomerados podem fazer uma oferta pela Tiffany.
Pioneira no modelo de negócio de conglomerado de marcas de luxo, a LVMH é a maior empresa do setor, com um valor de mercado de cerca de € 200 bilhões, faturamento de mais de € 50 bi e uma escala relevante em segmentos como vestuário, couro, joias, relógios, bebidas (principalmente cognac e champagne), perfumes e cosméticos.
O grupo tem como prática adquirir empresas com marcas já estabelecidas e manter as pessoas-chave à frente do negócio e boa parte das operações independentes, de forma que consigam preservar suas identidades e manter o poder de suas marcas.
As últimas aquisições relevantes do grupo foram a Dior Couture (que já era controlada por Arnault, o acionista controlador da LVMH), a Rimowa (as malas de viagem de luxo) e a Belmond (rede de hotéis que inclui o Copacabana Palace e o Hotel das Cataratas, em Foz do Iguaçu).
A Tiffany, por sua vez, é uma das marcas de jóias mais icônicas do mundo. Foi fundada em 1837 e é, junto com Cartier e Bulgari, uma das três principais marcas de branded jewelry do mundo – mas a única que ainda não faz parte de um conglomerado.
Na GEO Capital, nossa tese de investimento na Tiffany é baseada no poder da marca e sua versatilidade. O poder da marca é sustentado por uma cadeia integrada de ponta a ponta, permitindo à Tiffany controlar a qualidade e procedência da sua matéria-prima, transformá-la em produto e entregá-la diretamente ao cliente final, controlando a experiência do cliente e a estratégia de preço, que no setor de luxo é um aspecto fundamental do posicionamento da marca.
A empresa opera cerca de 300 lojas ao redor do mundo e no ano passado teve faturamento recorde: US$ 4,4 bilhões. Por outro lado, há anos a empresa enfrenta dificuldades de crescer vendas nas lojas (same store sales), principalmente nos Estados Unidos. Nos últimos anos houve mudanças relevantes na base de acionistas e na gestão da empresa, incluindo o CEO, CFO e diretor artístico. O novo time de gestão desenhou um plano de ação baseado em iniciativas estratégicas que passam pela comunicação, repaginação das lojas, expansão geográfica e aumento na cadência de lançamentos de coleções. A reforma da loja da 5ª Avenida, principal vitrine da empresa, já reflete boa parte dessas iniciativas, por ter uma comunicação visual atualizada, espaço para eventos e o Blue Box Café.
Numa potencial transação com a LVMH, é possível que haja sinergia na parte administrativa e ganhos nas negociações de espaço físico e de mídia. As despesas operacionais da Tiffany representaram 45% da receita da empresa. Qualquer ganho de sinergia nessa rubrica se traduziria em expansão de margem operacional para a empresa, que reportou 18% em 2018, enquanto o grupo LVMH reportou 21% no mesmo ano.
Além disso, a LVMH pode ajudar a Tiffany no crescimento de receita em função de sua expertise em distribuição direta e capacidade financeira de investimento. A Louis Vuitton, principal marca do grupo, também tem um modelo de negócio totalmente integrado e que cresce a taxas bem mais altas que o setor: apesar de não divulgar seus números em separado, estimamos que a marca tenha mais do que dobrado sua receita na última década, sustentando margens operacionais na casa dos 40%.
A aquisição da LVMH que mais se assemelha à Tiffany em termos de linha de negócio é a Bulgari, comprada em 2011 por € 4,3 bilhões. A Bulgari dobrou o tamanho do business de joias e relógios do grupo na época – o que acontecerá novamente se a compra da Tiffany se efetivar. Curiosamente, o atual CEO da Tiffany, Alessandro Bogliolo, foi COO da Bulgari, onde trabalhou por 16 anos. Desde a aquisição, a LVMH conseguiu expandir significativamente o negócio, crescendo próximo de 10% nos últimos anos e mais do que dobrando a margem operacional. Além da Bulgari, o grupo LVMH é dono da Tag Heuer e da Hublot.
Apesar da oferta ter sido a US$ 120/ação, a Tiffany negociou acima deste valor durante todo o pregão de ontem. Isso significa que o mercado espera que a venda saia a um preço acima da oferta colocada pela LVMH.
Isso pode ocorrer de duas formas: por uma revisão do preço oferecido pela LVMH ou pela entrada no jogo de um novo interessado, como a Kering (dona da Gucci) e a Richemont (dona da Cartier).
Antes da oferta, a Tiffany vinha negociando a 18x seu lucro futuro e, após a alta de ontem, atingiu 25x (o múltiplo implícito no preço da oferta era de 23x). As empresas comparáveis negociam a múltiplos similares ou mais altos do que a Tiffany negociava antes de receber a oferta: a LVMH negocia a 24x, a Richemont, a 23x, e a Kering a 18x (com base no consenso de mercado).
Ao longo dos últimos meses, aumentamos significativamente nossa posição em Tiffany por acreditarmos que o valor intrínseco da empresa nos próximos 5 anos indicava um retorno potencial bastante atrativo. Que bom que Bernard Arnault concorda.
Arthur Siqueira é co-gestor e analista de investimentos da GEO Capital, uma gestora especializada em ações globais.