Quatro anos depois de sua aquisição pelo Grupo Soma, a Hering ainda é um enigma a ser decifrado pela Azzas 2154.
No terceiro tri, reportado agora há pouco, a marca de vestuário básico foi o principal destaque negativo da companhia — que também é dona das marcas Arezzo, Farm, Schutz e Reserva.
A Hering teve uma queda de 4,2% na receita, puxada pelo sell-in, que caiu 6,5% impactado pela queda nas vendas para as franquias, que retraíram 16,5% ano contra ano.
É o segundo trimestre consecutivo que a Hering reporta queda nas vendas para as franquias, com a companhia tentando reduzir os estoques de seus franqueados em meio a vendas mais fracas.

“Sabemos que a transformação da Hering tem que ser bem mais profunda, e encontrar a pessoa certa para executar essa transformação não foi uma tarefa fácil,” o CEO Alexandre Birman disse ao Brazil Journal.
Essa pessoa é David Python, que já trabalhou na Azzas de 2010 a 2017 e saiu para fundar a marca de calçados sustentáveis Cariuma. David substituiu Thiago Hering, o neto do fundador da marca e que deixou o cargo há cerca de um mês.
A Azzas está comprando a Cariuma por um valor não revelado (mas imaterial do ponto de vista de disclosure), num ‘acquihire’ que instala David como CEO da Hering e seu co-fundador, Fernando Porto, como o chief creative officer (CCO). Fernando também foi executivo na Arezzo e teve passagem pela Richards.
David disse que ele, Fernando e Gustavo Fonseca – que tem 12 anos de Grupo Soma, os últimos cinco como COO – vão trabalhar como um trio.
Fundada em 2018, a Cariuma fabrica tênis casuais e de skate usando apenas materiais sustentáveis. Os produtos são fabricados na Ásia e 60% das vendas são para os Estados Unidos.
A companhia vinha crescendo, mas seu plano de negócios foi atropelado, primeiro pela pandemia — que desmantelou cadeias de suprimento em todo o mundo — e mais recentemente pelas tarifas de Donald Trump, fazendo os fundadores buscarem um parceiro estratégico.
Nos sete anos em que trabalhou na Azzas, David – um engenheiro de produção formado pela POLI – passou um ano trabalhando diretamente com o fundador Anderson Birman, principalmente em franquias, e depois mais três anos como CEO da marca Schutz, substituindo Alexandre naquela posição e liderando o go to market da marca. Em seguida, passou outros três anos como vice-presidente comercial da holding.
Antes disso, o empreendedor também trabalhou dois anos e meio na McKinsey, onde conheceu o atual chairman da Azzas, Nicola Calicchio.

Agora à frente da Hering, David disse que terá dois focos no curto prazo: melhorar a margem bruta e o retorno sobre o capital empregado, o ROIC.
“Isso implica num trabalho estruturante de ciclo operacional, compra e fabricação. É um trabalho 360 graus,” disse o executivo. “A forma como compramos, produzimos e montamos coleções vai ser mais integrada e previsível, e queremos alavancar a inteligência dos franqueados para isso.”
Até agora, a Hering encomendava seus produtos dos fornecedores ou produzia em sua fábrica e só depois fazia a venda para os franqueados.
Agora, “vamos inverter essa lógica. Vamos primeiro fazer o sell-in, para depois colocar em produção,” disse David. “Com isso, evitamos dois riscos: o de ruptura e o de não vendermos o estoque e ficarmos carregando esses produtos. As coleções serão muito mais assertivas.”
Outra mudança imediata: David persuadiu a empresa de que todo o C-Level da Hering ficará em Blumenau, onde ficam as fábricas — o que deve ajudar a tornar as decisões mais rápidas e assertivas.
O processo de construção das coleções “era feito em pacotes de amostra revisados pelo time de São Paulo, e que depois voltavam para Blumenau,” disse David. “Agora, os estilistas vão trabalhar do lado das costureiras, e com a presença muito mais forte do time comercial.”
Ele disse que este redesenho dos processos será “um trabalho estruturante, sem atalho, e cujas bases devem estar completas no primeiro semestre do ano que vem.”
A Azzas não abre a margem bruta de cada unidade de negócio, mas no resultado deste tri a companhia deu ao mercado um indicativo de como a margem da Hering tem puxado o consolidado para baixo.
Enquanto a margem bruta da Azzas cresceu 30 basis points, se a Hering fosse excluída da conta, o crescimento teria sido de 190 bps.
Apesar dos resultados fracos da Hering, a Azzas entregou um terceiro tri em linha com as projeções do sellside.
A receita líquida veio em R$ 2,968 bilhões, uma queda de 2,3% ano contra ano, enquanto o EBITDA ficou em R$ 476 milhões, estável na comparação com o terceiro tri do ano passado. Já o lucro líquido veio em R$ 201 milhões, uma alta de 22,9% ano contra ano.
O consenso era de uma receita de R$ 3,03 bilhões, EBITDA de R$ 494 milhões e um lucro de R$ 201 mi.
Outro destaque negativo do tri foi a vertical de calçados e bolsas, que viu sua receita cair 5,6% para R$ 1,12 bilhão, puxada principalmente pela marca Vans, cujas vendas recuaram 16%.
Birman disse que a Vans multiplicou por 5x nos últimos anos no Brasil, “então a base de 2024 era muito alta. Além disso, a marca está desacelerando globalmente,” disse o CEO.
Já a Anacapri teve resultados fortes, enquanto a Arezzo apresentou números estáveis, com uma redução deliberada nas vendas para os franqueados. Assim como a Hering, a vertical de calçados e bolsas também vem passando por um turnaround desde que Rafael Sachete, o ex-CFO do grupo, assumiu o comando em agosto.
O principal destaque positivo foi a vertical de vestuário feminino, que cresceu 18,2% no trimestre, puxada pela Farm Global, que cresceu 41%.
No vestuário masculino, a unidade de negócios que engloba a Reserva, o crescimento foi de 5,4% e a empresa experimentou uma forte alavancagem operacional, com o EBITDA crescendo 30% por conta da melhoria da margem bruta e redução das despesas.
Birman disse que a expectativa para o quarto tri é que vertical de calçados e bolsas tenha um crescimento “muito positivo”, que vestuário feminino “desacelere um pouco” e que o masculino “venha em linha”.
Já a Hering ainda deve ser o patinho feio do balanço.
“Resolvemos colocar todos os problemas já em 2025 para começar o ano que vem com uma base mais leve dos estoques dos franqueados. Isso vai gerar um impacto no resultado do quarto tri, que não é o ideal,” disse o CEO. “Mas o pior é quando você não está vendo e não está agindo. A gente está vendo e agindo.”
A ação da Azzas fechou o dia a R$ 28,16, negociando a 7,4 vezes o lucro estimado para 2026.
A companhia vale R$ 5,8 bilhões na Bolsa.











