Ao som dos últimos acordes do grupo de rock pesado Ego Kill Talent, o Lollapalooza encerrou suas atividades de 2022 na noite de 27 de março. Em meio a estrelas como os roqueiros dos Strokes, a diva pop Miley Cyrus, o punk/rap de Planet Hemp e o rapper Emicida, um nome foi apontado por diversos sites de entretenimento como a melhor apresentação do festival: Jão.
Isso mesmo: Jão.
Esse rapaz nascido há 27 anos em Américo Brasiliense, município do estado de São Paulo que pertence à microrregião de Araraquara, rapidamente se tornou um ícone para a geração que nasceu no inicio dos anos 2000, que idolatra canções como Vou Morrer Sozinho, Me Beija com Raiva e Essa eu fiz pro nosso amor.
Idiota, seu single mais recente, foi impulsionado por uma ação no TikTok e o clipe passou das 13 milhões de visualizações.
Pirata, sua turnê baseada no álbum homônimo, bate recordes por onde passa: lotou a Qualistage (antigo Metropolitan) no Rio e esgotou os ingressos de três noites no Espaço das Américas, em São Paulo, que tem lotação média de 10.000 espectadores.
Jão foi ainda escalado para aquecer o público para as performances do Maroon 5 no Allianz Parque e fez um dueto com Nando Reis em Sim, uma composição do ex-Titã.
João Vitor Romania Balbino (seu verdadeiro nome) é um rapaz tímido que começou a cantar e tocar violão e flauta desde o início da adolescência, influenciado pelas criações de Cazuza e Marisa Monte.
Quando completou 17 anos, mudou-se para São Paulo a fim de estudar Publicidade e Propaganda na USP. As inclinações musicais retornaram com toda força em 2016, quando ele passou a se apresentar em bares e casas noturnas para garantir seu sustento.
Foi quando os amigos Renan Silva e Pedro Tófani o apresentaram ao bar dos novos tempos: o YouTube.
O trio, aliás, é unido até hoje. Jão abraçou a plataforma de streaming, onde começou interpretando covers de artistas famosos. O burburinho que provocou chamou a atenção dos produtores Pedro Dash e Marcelinho Ferraz, do estúdio Head Media, que atuaram como mentores do jovem talento.
Jão assinou com a Universal Music e passou a fazer participações especiais em canções de artistas como Jota Quest, cantar em remixes e lançar EPs. Lobos, seu disco de estreia, chegou ao mercado em 18 de agosto de 2018. Foi o início de uma trajetória que ainda não parou de crescer.
Jão aponta Cazuza como uma de suas principais influências. Ele canta O Tempo Não Para na turnê e, no Rio, recebeu a visita de Lucinha Araújo, mãe do cantor e compositor carioca, que lhe teria dado uma letra inédita do filho.
Mas em termos conceituais, Jão está muito mais para um Renato Russo dos dias de hoje do que para o autor de Exagerado.
A Jão falta o cinismo e o sarcasmo de Cazuza na hora de falar de amor, e sobram as histórias de relações complicadas e a incapacidade de amar, típicas das letras do líder da Legião Urbana – embora sejam versos mais simples e sem tantas referências literárias. “Errei, não nego, não/ Mas lembra do que eu disse então/ Amar é muito melhor do que ter razão”, declama em Me Beija com Raiva.
“Mas meu coração é grande/ E cabem todos os meninos e meninas que eu já amei,” confessa em Meninos e Meninas (a Legião tem uma canção com o mesmo nome). Esta última, aliás, é o retrato de uma geração poliamor, na qual a sexualidade é fluida e as definições de gênero caíram por terra – não pergunte a mim, pergunte a seus filhos e netos. O próprio Jão é um exemplo dessa linha de comportamento: recentemente, ele afirmou ser bissexual.
Há um quê de sofrência nas canções de Jão, aquele estilo de sertanejo eternizado nas vozes de Marilia Mendonça e a dupla Maiara & Maraísa. O estilo não se limita às letras, que fariam sucesso numa boate de peões de boiadeiro. A estrutura das composições lembra o sertanejo moderno. São revestidas por uma pegada pop, com discretas intervenções eletrônicas e um coro que emula os refrãos para estádio de grupos como Coldplay.
Pirata trouxe mudanças sensíveis em relação aos dois primeiros discos do cantor. Dash e Ferraz foram substituídos por Paul Ralphes, um artesão no quesito pop, e Zebu, um nerd do universo eletrônico. Certas canções saem do espectro da sofrência e ganham uma pegada que lembra o New Order, ícone da música eletrônica dos anos 80.
O rapaz tímido dos primeiros vídeos do YouTube e dos shows iniciais deu lugar a um performer seguro de seu poder sobre a plateia, que canta durante e depois dos shows.
Para o Lollapalooza, Jão criou um cenário diferente do exibido na turnê. A galé situada na frente do palco foi trocada por um polvo gigante.
“Nós fazemos tudo a várias mãos aqui. A parte musical geralmente fica comigo e toco diretamente com o Zebu e com a minha banda. A direção criativa, o cenário, palco, eu desenvolvo junto com o Pedro. A gente queria levar algo grandioso, mesmo que dentro das limitações de um festival. Eles precisam fazer caber a apresentação de vários artistas e a gente deu um jeitinho de tornar a nossa especial também”, Jão disse ao Brazil Journal.
Em meio a protestos contra o atual governo, disparados por boa parte das atrações locais, o cantor exortou o público a tirar o título de eleitor e votar de modo consciente nas eleições de outubro.
“Meu público é jovem e era uma pauta que dizia respeito a eles mesmo, então quis chamar atenção para isso nas minhas redes e usar o espaço do show pra isso. Estamos vivendo uma época onde as mudanças são muito necessárias, mas sem o voto nada vai sair do lugar.”
Jão é um pop que faz amar, sofrer e pensar.