É maio de 2009 e Markus Persson, o Notch, programa obsessivamente, sozinho, num pequeno e bagunçado apartamento na madrugada escura de Estocolmo. A única luz é o brilho do monitor que ilumina seu rosto. O teclado é assaltado pela fúria de seus dedos, que há uma semana digitam códigos ininterruptamente. Ao amanhecer, Notch finalmente aperta o “Enter”.
Na tela, um mundo começa a surgir. Um mundo rudimentar, dividido em blocos de terra e grama, habitado por um avatar pixelado com olhos azuis e barba escura — à imagem de seu criador — que cava o chão com as mãos.
É o embrião do Minecraft, o jogo mais vendido de todos os tempos e que moldaria a imaginação de milhões de crianças e adultos ao redor do planeta.
Menos evidente era a outra jornada de Markus, silenciosa e sombria: a de quem não conseguiria suportar o próprio êxito.
Markus Persson poderia ser o símbolo definitivo do sucesso na era digital. Sozinho, escreveu as linhas de código da primeira versão de um jogo que vendeu 350 milhões de cópias.
Poucos anos depois, vendeu sua empresa à Microsoft por US$ 2,5 bilhões. Comprou mansões, voou em jatos particulares, bancou festas com Jay-Z, Beyoncé e Selena Gomez.
E então, implodiu.
Isolado, amargo e errático, caiu num vazio e passou a tuitar como quem grita de dentro de um palácio vazio.
Markus é uma dessas pessoas – e há muitas – que realizam grandes feitos no presente, mas cujo caminho para a felicidade permanece obstruído pelo passado. O sucesso no mundo exterior não elimina os conflitos psíquicos internos. Pelo contrário, muitas vezes os intensifica.
O que acontece quando, em vez de trazer felicidade, o sucesso escancara o que está quebrado por dentro?
Há mais de um século, Freud identificou um fenômeno paradoxal: algumas pessoas adoecem (mentalmente) justamente ao alcançar um sucesso muito desejado.
Num ensaio de 1916, Os que fracassam no triunfo, ele descreve esse tipo especial de neurose em que o indivíduo, ao invés de adoecer por frustração ou privação, colapsa ao realizar seu desejo.
Freud interpreta esse adoecimento como uma punição inconsciente, motivada por sentimentos de culpa e indignidade cujo próprio êxito é o gatilho.
Essa tese ganhou forma anos antes, durante uma experiência pessoal do pai da psicanálise numa visita à Acrópole de Atenas. Diante da grandiosidade do lugar, sentiu-se maravilhado, mas também perturbado — como se estivesse vivendo algo “grande demais” para si.
A viagem representava, para ele, a superação de limites psíquicos autoimpostos: judeu de classe média vienense, Freud nunca imaginara conseguir viajar à Grécia.
A experiência revelou uma culpa inconsciente por ter ido além das expectativas dos pais e das restrições infantis, ilustrando seu conceito de que o sucesso pode, paradoxalmente, gerar angústia.
Markus Persson nasceu em 1979 em uma pequena cidade sueca chamada Edsbyn. A casa da família era cercada por florestas nevadas, e Markus dizia que adorava vagar por lá e “não se perder por pouco”.
O que ele amava ainda mais era Lego. Ficava horas sentado, construindo estruturas e cenas intrincadas com os pequenos tijolos de plástico.
Sua mãe era enfermeira; o pai, ferroviário, mas também um grande nerd. Quando Markus tinha sete anos, seu pai trouxe um computador Commodore 128 para casa e construiu o próprio modem. Markus fingia dores de barriga para faltar à escola só para poder brincar com o computador.
Aos oito anos, já estava programando. Aprendeu sozinho e recrutou a irmã mais nova, Anna, como uma espécie de assistente que lia pacientemente as linhas de código nas revistas de informática, enquanto Markus as digitava.
Foi aí que descobriu que, se não digitasse exatamente o que a revista dizia, poderia criar algo diferente. Markus definiu a descoberta como “inebriante”. Ainda aos oito, produziu seu primeiro jogo de aventura, baseado em texto.
A mãe, preocupada que Markus estivesse ficando viciado em jogos, entrava escondida em seu quarto e colocava pôsteres de estrelas do futebol para incentivá-lo a brincar lá fora.
Certa vez, ela até o levou a um clube de futebol local. De tanto Markus errar a bola quando tentava chutá-la, o treinador delicadamente puxou a mãe de lado e disse, “ele não vai ser jogador”.
Em 1988, a família se mudou para Estocolmo e Markus fez amigos na escola: nerds como ele, que amavam jogos e programação e se desafiavam com tarefas de coding.
Mas em casa, as coisas estavam começando a desmoronar. O pai de Markus vinha lutando contra a depressão e o transtorno bipolar. Depois, voltou-se para bebidas pesadas e anfetaminas. Veio o divórcio e Markus perdeu contato com o pai, que ainda foi preso algumas vezes por roubos.
Em dado momento, faltou comida em casa.
Para o adolescente, programar tornou-se uma fuga da realidade dura, um refúgio onde ele tinha total controle. Markus sabia que era isso que queria fazer pelo resto da vida, e disse isso ao coordenador da escola, que riu dele.
Empregou-se na King (mais conhecida pelo jogo Candy Crush Saga), onde conheceu Jakob Porser, que se tornaria seu sócio, e Elin Zetterstrand, com quem se casaria anos depois.
Com pouca autonomia criativa, Markus deixou a King em 2008 para desenvolver seus próprios jogos e lançou a versão beta de Minecraft já no ano seguinte. Com o sucesso imediato, criou uma empresa para cuidar do empreendimento – a Mojang – para a qual contratou uma pequena equipe que incluía seu velho colega Jakob Porser.
O crescimento do jogo foi exponencial. 2011 marca o ápice do Minecraft como fenômeno global – e ironicamente, o momento da virada emocional de seu criador.
O Minecraft vendeu um milhão de cópias no início do ano; seis meses depois, já eram 10 milhões, em grande parte graças a parcerias com a Sony e a Microsoft que ajudaram a popularizar o jogo em consoles e dispositivos móveis.
Markus se casa, mas o casamento terminaria depois de um ano, minado pelos primeiros sinais de deslumbramento com o sucesso.
Em outubro, Markus já dava o primeiro sinal de fadiga ao anunciar que, após o lançamento oficial do jogo, deixaria o papel de desenvolvedor principal para focar em novos projetos.
Em dezembro, seu pai comete suicídio, um evento traumático com enorme impacto em sua saúde mental.
Três anos depois, o Minecraft já era um fenômeno consolidado, prestes a ultrapassar 50 milhões de cópias vendidas. Com apenas 40 funcionários, a Mojang era uma máquina de fazer dinheiro.
Markus era uma das maiores histórias de sucesso do mundo dos negócios, mas não queria mais fazer reuniões, liderar a equipe, nem se envolver na gestão do negócio. Estava infeliz, profundamente infeliz.
Em 17 de junho de 2014, faz um post inusitado no Twitter: “Anyone want to buy my share of Mojang so I can move on with my life?”
Recém-empossado CEO da Microsoft (e destinado a modernizar a empresa), Satya Nadella dá o sinal verde para as negociações, que evoluem rapidamente.
Em 15 de setembro de 2014, a Microsoft compra a Mojang por US$ 2,5 bilhões, dos quais US$ 1,6 bilhão ficam com Markus.
Três dias depois, ele publica um texto – “I’m not a symbol” – explicando sua decisão. “Não sou um empreendedor. Não sou um CEO. Sou apenas um programador que gosta de fazer jogos.”
E acrescentou: “Não é sobre o dinheiro. É sobre minha sanidade”.
Deixou a empresa imediatamente após a venda e passou a ter uma vida de excessos e ostentação, na contramão dos valores culturais suecos de modéstia e privacidade.
Pagou US$ 70 milhões por uma mansão em Beverly Hills no maior negócio residencial de Los Angeles até então.
Extravagante, sua nova vida incluía festas milionárias nos locais mais badalados do planeta, com celebridades e atrações globais. E, claro, constantemente postando tudo nas redes sociais.
Apesar da constante celebração, Markus demonstrava solidão e angústia, indicando que o dinheiro havia aprofundado seu vazio existencial.
Num tuíte de 2015, reconheceu sua fraqueza com sinceridade brutal: “Curtindo em Ibiza com um monte de amigos e festejando com pessoas famosas, podendo fazer o que eu quiser – e nunca me senti tão isolado.”
Tornou-se o caso clássico do criador que, ao conquistar tudo, perdeu o desejo de continuar criando. Sua trajetória também lembra o que o filósofo francês Pascal Bruckner chama de “euforia perpétua: o imperativo contemporâneo de ser feliz, custe o que custar.
Vivemos sob pressão constante para parecermos satisfeitos, realizados e otimistas, mesmo quando estamos sofrendo. Como se a infelicidade, a tristeza ou o sofrimento fossem fracassos pessoais em vez de ciclos naturais da vida.
Mais que uma experiência interior, ser feliz passou a ser uma exigência social e uma medida de valor pessoal.
A consequência é uma existência teatralizada e instagramável, onde o prazer é performático e desconectado da verdade emocional.
Em 1961, o antropólogo e filósofo francês René Girard propôs que não desejamos diretamente objetos ou metas, apenas imitamos o desejo do outro – o que ele chamou de “desejo mimético”. Este desejo é mediado por um modelo, alguém que o sujeito admira ou inveja.
Mais de meio século depois, as redes sociais amplificaram radicalmente essa dinâmica. Vidas são postadas como reality shows, e os influenciadores são os modelos miméticos. O resultado é uma homogeneização dos hábitos e desejos, alimentando comportamentos de manada em detrimento da autenticidade.
O ato de consumir não é mais apenas para suprir necessidades, mas sim afirmar identidade, exibir estilo de vida e valores. Tudo para aplacar a ansiedade do pertencimento.
O indivíduo se torna um produto. Vive para ser consumido como mídia pelos outros, moldando-se a uma imagem construída socialmente, e não a seus desejos genuínos. “Crio uma imagem de quem eu deveria ser e perco quem eu sou.”
As festas excêntricas e milionárias de Markus – lotadas de celebridades mas vazias de vínculos – soam como uma busca ingênua e desesperada por felicidade, e não como celebrações autênticas, o que seus posts confessam.
Zygmunt Bauman, o sociólogo polonês que sobreviveu ao Holocausto, chamou isso de “solidão líquida” – uma experiência contemporânea de isolamento emocional em um mundo onde as conexões são muitas, mas os vínculos são frágeis. É uma extensão de seu conceito central de “modernidade líquida”, em que tudo – do trabalho aos afetos – se torna fluido, instável e descartável.
Estamos hiperconectados, mas desconectados do essencial. Sem vínculos duradouros e profundos e sempre em busca de validação instantânea.
A história de Markus nos provoca a refletir sobre o que é sucesso. Ter tanto dinheiro e não ser feliz é sucesso? Ter dinheiro e não ser capaz de sustentar vínculos afetivos é sucesso? O sucesso profissional justifica a ruína emocional ou o fracasso familiar?
O dinheiro proporciona conforto e resolve os problemas financeiros – o que é libertador – mas não conserta o que está quebrado por dentro. Longe disso, muitas vezes desorganiza o mundo psíquico e traz novos problemas.
Para Markus, o sucesso foi o fim da sua felicidade. Ironicamente, sua derrocada não veio de uma derrota, mas de uma grande vitória.
O gênio nerd construiu um mundo infinito de diversão para milhões e tornou-se bilionário, mas não encontrou morada em si mesmo.
Guilherme Pacheco é empreendedor e investidor em tecnologia. Foi co-fundador/sócio do Bondfaro, Buscapé, Mosaico, Gazeus, ParceleX e da Tessera Ventures.