Os bancos centrais são menos poderosos do que as pessoas imaginam.

Se não houver confiança de que o governo pagará as suas dívidas, cedo ou tarde a inflação sairá do controle. A tese — que se aplica bem ao Brasil mas é um princípio geral — é do influente economista John Cochrane, que acaba de publicar o livro The Fiscal Theory of Price Level.

Professor de Stanford e senior fellow na Hoover Institution, Cochrane argumenta que a persistência da inflação, em última análise, tem em sua raiz causas fiscais.

 

“Se o governo continua se endividando sem prestar atenção em como pagar essa dívida, um dia as pessoas perdem confiança e começam a se livrar dos títulos públicos,” Cochrane disse ao Brazil Journal.

Nessa situação, diz ele, os preços na economia começam a subir. Em um quadro de inflação cuja origem é fiscal, os bancos centrais terão dificuldade para manter a inflação dentro das metas estipuladas.

Fazendo o disclaimer de que não conhece as particularidades da economia brasileira (“embora devesse, porque sua história é rica em lições”), o economista disse que o mais importante não é o tamanho da dívida nem os déficits atuais, mas a fé de que no longo prazo, num período de 10 a 20 anos, o governo executará uma política sóbria e pagará as suas dívidas.

“Um país pode estar indo bem no curto prazo, mas se as pessoas temem que isso não dure muito, tentam se livrar da dívida do governo, o que aumenta a inflação,” disse. “Além disso, quando existe a imposição de gastos obrigatórios, o aumento das taxas de juros eleva o custo da dívida – e isso pode, na verdade, aumentar a inflação.”

Para sair dessa cilada, é necessário um trabalho conjunto de política monetária e fiscal, “especialmente se essa inflação tiver raízes fiscais!”, disse Cochrane.

A seguir, a entrevista:

O aumento de despesas aprovado por Joe Biden contribuiu para manter a inflação dos EUA elevada por mais tempo. Você acredita que, em algum momento, a política fiscal vai ajudar a manter os preços sob controle? 

É difícil prever a política, mas não vejo muito progresso nas questões fiscais de longo prazo dos EUA nos próximos anos. O atual governo está bastante orgulhoso de seus gastos maciços, feitos com dinheiro emprestado, por meio de aumento da dívida.

A aprovação desses projetos de aumento das despesas é, de fato, sua maior “realização”, então dificilmente reverterá o curso.

Não há muito apetite político para fazer reformas no sistema previdenciário e na assistência médica, que são os maiores desafios de longo prazo no lado dos gastos, ou para fazer uma reforma do sistema tributário, que está podre.

Como a inflação parece estar se moderando no curto prazo, e a maioria das pessoas no mundo político ainda acha que o banco central controla totalmente a inflação, levará algum tempo até que medidas sérias sejam tomadas.

Você afirma  que “todas as estabilizações da inflação envolvem reformas fiscais, monetárias e microeconômicas conjuntas”. Quais seriam as principais reformas microeconômicas nos EUA?

boopo john cochrane

Essencialmente, reformar o conjunto de regulamentações para que seja possível levar projetos e investimentos adiante. Hoje, para dar um exemplo, até mesmo a esquerda americana descobriu que são necessários dez anos para obter as licenças exigidas para ligar os geradores de energia eólica às linhas de transmissão.

O dólar forte contribui para o controle dos preços nos EUA, exportando inflação para outros países. Esse “privilégio exorbitante” de emitir a principal moeda do mundo amplia a margem de manobra do governo americano para aumentar o seu endividamento, não?

O fato de que grande parte do comércio internacional usa dólares dá aos EUA a capacidade de emitir um pouco mais de dívida do que faria de outra forma, e a taxas mais baixas. Mas esse é um benefício finito, que não nos permite manter déficits perpétuos, e é menor do que a maioria das pessoas imagina.

O Brasil, ao contrário, não conta com esse privilégio. Apesar dos juros elevados, o banco central tem dificuldade em manter as expectativas de inflação próximas da meta. Do lado fiscal, o resultado primário deve ficar negativo em 2023. O que o novo governo deveria estar fazendo para ajudar a aliviar as pressões inflacionárias?

Não conheço o suficiente sobre o Brasil, embora devesse. Sua história é rica em lições sobre política fiscal e inflação. A questão central para a inflação fiscal não é o tamanho da dívida nem os déficits atuais, mas a fé de que no longo prazo, num período de 10 a 20 anos, o governo executará uma política fiscal sóbria e pagará as suas dívidas.

Atualmente, os mercados não estão confiantes sobre a política fiscal no Brasil, e os juros futuros subiram. O real brasileiro não está recuperando valor como outras moedas de mercados emergentes. Como isso torna mais difícil a missão do banco central?

Um país pode estar indo bem no curto prazo, mas se as pessoas temem que isso não dure muito, tentam se livrar da dívida do governo, o que aumenta a inflação. Além disso, quando existe a imposição dos gastos obrigatórios, o aumento das taxas de juros eleva o custo da dívida – e isso pode, na verdade, aumentar a inflação.

A meta de inflação pode ser vista de maneira similar ao padrão ouro ou a uma âncora cambial. Se não houver compromisso fiscal para pagar a dívida pública sem inflação, um banco central pode se esforçar em alcançar as metas que quiser, mas a alta dos preços mais cedo ou mais tarde sairá do controle. É semelhante ao que acontece a uma moeda com câmbio fixo.

O custo dos juros certamente enfraquece a capacidade do banco central de reduzir a inflação com taxas de juros mais altas. A menos que o governo encontre os recursos fiscais para pagar os custos dos juros mais altos. Isso sugere alguma cautela, porque talvez os bancos centrais não sejam tão poderosos quanto comumente se acredita.

Então se os juros mais altos significam um aumento da dívida pública, como é o caso do Brasil, qual o caminho para evitar que a política monetária perca sua capacidade de controlar a inflação?

Voltamos à necessidade de política monetária e fiscal conjunta para controlar a inflação, especialmente se essa inflação tiver raízes fiscais! Será preciso ter reformas orçamentárias e institucionais voltadas para o crescimento econômico de longo prazo, que dê às pessoas confiança de que o governo vai pagar as suas dívidas sem recorrer ao aumento da inflação.