Prendam os suspeitos de sempre!   Essa foi a ordem do capitão Renault, no célebre filme Casablanca. Tropicalizando a citação, no Brasil vigora a regra “tributem os suspeitos de sempre.”
 
Desde os anos 90, insistimos numa solução tão simples quanto errada para qualquer crise: o aumento de tributos (preferencialmente dos bancos, os suspeitos de sempre).

Entre parênteses, essa insistência é curiosa pois sempre tem prioridade sobre a outra saída óbvia, a redução da máquina pública. Em um momento como esse, somos incapazes de debater a redução de salários de funcionários públicos, e ainda temos que penar para que essas remunerações (muitas vezes generosas) não sejam aumentadas. 
 
É mais ou menos como se uma empresa pré-falimentar debatesse se dará ou não aumento a todos os seus funcionários, independentemente da performance.

Para não fugir à tradição, o Congresso Nacional hoje discute alguns projetos de lei visando aumentar a tributação das instituições financeiras – especificamente a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Naturalmente, o racional subjacente é o de que os bancos têm lucros extraordinários, e, portanto, devem sofrer essa tributação extra.

Não há nada de errado com a ideia de se tributar mais onerosamente quem lucra mais. Ao contrário, essa é medida de rigor, e atende ao princípio da capacidade contributiva, indutor expressamente previsto na Constituição Federal. 
 
A crítica que se faz aqui é, qual o melhor meio para se atingir este fim? 

Parece-nos que a fixação setorial ex ante das atividades econômicas que deverão ser tributadas de maneira mais gravosa é equivocada, na medida em que ela se baseia em uma premissa que pode não se confirmar, ao mesmo tempo em que abandona outras manifestações de capacidade contributiva apenas porque não verificadas naquele setor eleito.

Por outro lado, há um modelo de franciscana simplicidade, e que poderia atender de maneira muito mais efetiva ao objetivo arrecadatório: o estabelecimento de alíquotas diferenciadas (progressivas) de acordo com o lucro auferido. Ou seja, independentemente do setor da economia, quem auferir mais lucro pagará mais CSLL.

Além disso, no concreto, as premissas que dão lastro a essa seleção antecipada dos setores que serão alvo dessa alíquota não resistem a uma análise mais séria.

Hoje as empresas em geral são tributadas pela CSLL em 9%, enquanto os bancos o são em 20% — ou seja a alíquota já é mais que o dobro da normal.
 
Os projetos em trâmite propõem que a alíquota seja elevada para 50% — passando-se a tributar mais pesadamente não apenas os bancos, mas também outros contribuintes ,como as seguradoras. 
 
Isto é, a premissa assumida é a de que instituições financeiras possuem lucratividade mais de 500% superior ao das empresas em geral. Só que isso não acontece no mundo real. 

No Ranking das 1000 Maiores Empresas de 2019 do Valor Econômico, constata-se que, dentre as 50 empresas que mais geram lucro, 80% não são instituições financeiras.

A situação fica ainda mais absurda quando analisamos a inclusão das seguradoras nesse balaio. Entre as 10 empresas mais lucrativas não há nenhuma seguradora. Expandindo a comparação para as 50 empresas, apenas quatro seguradoras passam a figurar na relação. Essas seguradoras apuraram lucro médio de R$ 3,4 bilhões, inferior ao lucro médio das demais empresas do ranking (R$ 4,9 bilhões).

Portanto, o que se vê nessa fixação setorial de uma alíquota diferenciada é uma profunda injustiça. Por que quem lucra menos deverá pagar mais tributo? É razoável que uma pequena seguradora pague mais CSLL (em termos proporcionais) que uma grande petroleira, por exemplo?

Em se tratando de tributação, a progressividade das alíquotas é uma regra simples e usada mundialmente. É melhor não tentar reinventar a roda.

 
 
Luiz Gustavo Bichara é advogado tributarista e sócio do Bichara Advogados.