“Nos meus 53 anos no mundo dos investimentos, eu vi muitos ciclos econômicos, pêndulos oscilando, manias e pânicos, bolhas e crashes, mas me lembro de apenas duas transformações radicais,” diz o lendário gestor Howard Marks, logo na abertura de sua mais recente carta aos clientes da Oaktree Capital. “Acho que hoje estamos no meio da terceira.”
A ruptura atual é o fim do grande ciclo de inflação baixa e juros próximos de zero. Na opinião de Marks, há razões para acreditar que as taxas de juros mais elevadas vieram para ficar.
Marks lembra que o período que vai do final de 2009, durante a grande crise financeira internacional, e a pandemia da covid-19, iniciada em 2020, foi marcado por taxas de juros ultra baixas, em um ambiente macroeconômico “altamente incomum”.
“A fortaleza do mercado incentivou os investidores a abandonar a aversão ao risco e assumir riscos antes que o previsto,” diz a carta. “A emoção prevalente entre os investidores foi o FOMO – fear of missing out. Os buyers estavam ansiosos para comprar, e os holders não se sentiam motivados a vender.”
Com os retornos “modestos” obtidos com investimentos mais seguros, os investidores foram impelidos a despejar recursos nos ativos de maior risco.
Avaliando em retrospecto, Marks afirma que, “por definição, é difícil obter retornos elevados de maneira segura em um mundo de baixo retorno”.
Por isso, foi um período “frustrante” para quem oferece crédito e para os caçadores de pechinchas.
Mas isso mudou – e a virada veio com a alta da inflação.
O aumento nos juros derrubou o preço de ações que pareciam bem precificadas anteriormente, porque a desvalorização refletiu o aumento na taxa de desconto. O temor de uma recessão debelou ainda mais o humor dos investidores.
E o que esperar daqui para frente?
“A inflação e os juros deverão se manter como os indicadores dominantes influenciando o ambiente de investimentos por mais vários anos,” disse Marks. “Embora a história mostre que ninguém consegue prever a inflação, parece provável que ela vai se manter mais elevada do que havia se tornado comum – pelo menos por um período.”
Segundo o gestor, o rali recente nas ações americanas foi motivado pela crença de que a inflação perdeu força, o Federal Reserve cortará os juros e a recessão poderá ser evitada, com a economia e os mercados voltando aos “dias de euforia”.
Mas, para Marks, é cedo para o Fed decretar vitória contra a inflação e a “psicologia inflacionária” ainda precisa ser extinta.
Por isso, “acredito que a taxa de juros deverá ficar entre 2% e 4% por mais vários anos (ou seja, não muito distante de onde estamos hoje), e não entre 0 e 2%”.
Pode parecer muito para quem entrou no mercado depois de 2008, diz Marks, mas não são juros elevados quando se observa a história, e, portanto, “não há nenhuma razão óbvia para que sejam mais baixos”.
Essa, portanto, será provavelmente a terceira grande ruptura ocorrida nos últimos 50 anos, argumenta o investidor.
A primeira grande mudança ocorreu no início dos anos 1970, segundo ele. Nessa época, os investidores focavam a sua alocação em ações e títulos investment grade, presumivelmente de menor risco. Mas então, graças aos avanços dos instrumentos de gestão financeira, ficou claro que era possível investir em papéis high yield se ajustados adequadamente pelo risco, ampliando enormemente o campo de opções no mercado.
“Os mais jovens ficariam chocados ao saber que, naquele período, os investidores não pensavam em termos de risco/retorno,” afirma. “Hoje, fazemos isso o tempo todo.”
A segunda mudança radical foi o “vento de cauda” propiciado nos últimos 40 anos pela queda no custo do dinheiro, que possibilitou que os investidores obtivessem uma parte significativa do acúmulo de capital nesse período. Para ele, isso pode ter ficado no passado.
Marks conclui com uma advertência: as estratégias de investimentos que funcionaram anteriormente provavelmente não serão aquelas que terão melhor desempenho nos próximos anos. “Essa é a transformação radical de que estou falando.”