Donald J. Trump, o mais despreparado e improvável presidente a ser eleito dos Estados Unidos, avançou em direção a uma maioria do Colégio Eleitoral por volta de 1:57 horário do Brasil.
O gongo mórbido de reprovação do capital soou repetidas vezes, em ondas de pânico nos mercados futuros: o que antes era uma modesta queda de 100 pontos no S&P logo se transformou em 200, 300, 500, 750…
O petróleo desabou 4% em meio à perspectiva de uma economia global menos pujante e menos interligada. Décadas de avanços — no comércio, na tecnologia e no fluxo de capitais — trazidos pela globalização foram descontados na praça como uma duplicata barata, como se refrões vazios fossem capazes de resolver problemas complexos de política pública.
E no entanto a América, votando com o fígado, aceitou como legítima essa nota de US$3.
O dólar, falando nele, se enfraqueceu contra as moedas fortes (o euro, a libra e o iene). Talvez o mercado esteja questionando a competência do homem para questões fiscais (Trump já quebrou 3 vezes, uma performance que lembra Dilma e sua famosa lojinha).
Ou, como dizia uma piada no WhatsApp: “BREAKING: The USA! “
A festa da democracia vai acabar nessa manhã com uma ressaca épica, que certamente exigirá coordenação entre o Federal Reserve e o Banco Central Europeu para injetar liquidez nos mercados.
Os mercados devem viver hoje o equivalente a um ataque especulativo pós-eleitoral. E o que recomenda o livro-texto num cenário desses? O político eleito (e que está sob suspeição dos mercados) deve “falar logo”, fazer sua “carta ao povo brasileiro” e mostrar que só tem as melhores intenções…
O problema é que, para Trump conseguir fazer isso, ele teria que dizer ao mercado: “Esqueçam tudo que falei. Era só pra ganhar a campanha.”
O que o levaria, claro, ao cadafalso político.
Mesmo o próprio Trump, que muito provavelmente se lançou nessa campanha apenas para reviver sua marca desgastada, deve ter discernimento suficiente para saber que não está à altura do desafio.
Oito anos atrás, os EUA estavam no fundo do poço, em meio à fenomenal crise de 2008 — gestada, aliás, durante a presidência de outro cara considerava inepto para o cargo. Mas hoje, à luz da história e da comparação, George W. Bush se ergue como um monumento ao bom senso, um estadista do qual agora sentiremos saudades.
Oito anos atrás, a economia americana implodia e o desemprego explodia. Obama (and the business cycle, of course) colocou a economia nos trilhos, o crescimento voltou, e o S&P bateu recordes históricos… e é Trump quem vai fazer a América ‘great again’?
A incapacidade do mercado de precificar melhor a possibilidade de vitória de Trump — o segundo Brexit deste ano infeliz — revela um viés de análise clássico: como a maioria dos investidores, por definição, têm muita escolaridade, banqueiros e analistas nunca acreditaram DE FATO na ideia de que os americanos poderiam dar um voto tão danoso.
Trump se elege com 50% dos votos do País, o que é normal nos EUA, mas com 100% da imprensa contra, a vasta maioria do mundo (excluindo Moscou) contra, e boa parte de seu próprio Partido Republicano… contra.
Ah, e na fronteira ao sul, boa sorte em fazer o México pagar pelo muro, agora que você deixou os mexicanos 10% mais pobres antes mesmo de tomar posse.
A eleição de Trump é a vitória de uma retórica beligerante, de aprofundamento de divisões e de desqualificação de setores da sociedade.
Não será um governo fácil, mas… ainda bem que isso aqui é só um reality show.
Imagine se fosse a vida real!