Sem alarde, no apagar de 2014, e por meio de duas portarias aparentemente inofensivas, o Governo Federal retirou a escada das empresas de ensino superior, detonando o que alguns investidores estimam pode ser uma correção de até 30% no preço das ações de empresas como Kroton, Estácio, Anima e Ser Educacional.
Nos últimos três anos, as ações dessas empresas de educação foram uma aula de como ganhar dinheiro na Bolsa, mesmo em meio a uma economia sitiada pelo baixo crescimento do PIB, intervenção estatal pesada e incerteza política. O setor viu suas matrículas crecer 15-20% ao ano, e o faturamento, cerca de 30%, levando algumas ações a até triplicar de preço.
A chave desse sucesso: o Fundo de Financiamento Estudantil (FIES), o programa do Ministério da Educação que financia a educação superior de estudantes em instituições não gratuitas.
As empresas (e os investidores que compraram suas ações) sempre mantiveram que a dependência do FIES não era tão grande — apesar de sempre usarem o programa como o pilar do case de investimento em suas ações. Alguns investidores alertavam que o programa, que só em 2015 custará 20 bilhões de reais ao País, poderia ser alvejado como parte de um esforço fiscal.
As empresas minimizavam essa preocupação. Quem, perguntavam elas, teria coragem de tirar recursos de um setor tão intocável — ao menos retoricamente — quanto a educação?
Até que, como um presente de Natal de grego, veio a Portaria Normativa No. 21, de 26 de dezembro de 2014. Nela, o Ministério da Educação disse que, daqui por diante, não basta que o estudante concluinte do ensino médio se submeta ao Enem para ser elegível ao FIES. A partir de agora, ele precisa tirar uma nota de pelo menos 450 (o Enem vai de zero a 1000) e não pode tirar zero na redação. (Parece óbvio, mas esses padrões mínimos só foram adotados agora.)
Nas contas de um investidor, a mudança na regra vai excluir de 30% a 40% dos alunos da rede pública de ter acesso ao FIES, por terem nota abaixo de 450.
As mudanças valem para todos os alunos que concluíram o ensino médio a partir do ano letivo de 2010 — o grosso dos alunos. O Governo também deu uma colher de chá para as empresas, estabelecendo que a nova regra entrará em vigor apenas em abril deste ano, ou seja, depois que a maior parte das matrículas de 2015 já tiverem sido feitas.
O ministério também mexeu numa regra dando ao Governo mais tempo para repassar às empresas privadas os recursos do FIES — uma medida que deve pressionar o capital de giro das empresas. O repasse hoje se dá a cada 30 dias (com atrasos frequentes), e agora será feito a cada 45 dias.
Entre o dia 30 de dezembro (quando a mudança regulatória ficou pública) e esta sexta-feira, as ações do setor já caíram entre 10% e 15%. A Kroton, onde 54% dos alunos são beneficiados pelo FIES, já perdeu 12% de seu valor (ver quadro acima).
Mas como pode uma pequena mudança regulatória (e uma barra um pouco mais alta para o acesso ao financiamento) afetar tanto o potencial de crescimento das empresas?
Alguns investidores que minimizam o impacto das novas regras apontam para uma tabela do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP) que mostra que menos de 10% das escolas públicas têm notas abaixo de 450.
No entanto, este número é ilusório, “primeiro, porque olhar para as escolas não quer dizer nada,” diz um investidor que acompanha o setor de perto. “Você tem que olhar para os alunos individualmente, porque eles é que são elegíveis ou não. Segundo, porque o INEP fala em nota ‘média’, e a média distorce a realidade porque, como o desvio padrão é muito baixo, para cada três alunos com nota de 430, um aluno com nota de 650 já traz a média para 450). O que importa aqui é a mediana, que exclui os alunos muito fracos e os muito fortes.”
Há ainda, o risco de que outras medidas ainda sejam anunciadas. Em conversas com investidores, o Ministério da Educação tem sinalizado insatisfação com repasses de preços bem acima da inflação feitos pelas empresas. Além disso, perguntado sobre financiamento educacional antes de sua posse, o novo ministro da Educação, Cid Gomes, disse: “Em qualquer área precisaria de mais recursos, mas tem que ter o pé no chão e fazer com o que tem.”
O debate sobre os ajustes no FIES é uma discussão complexa e eivada de nuances, que deveria passar longe do Fla-Flu partidário. Longe de ficar circunscrito aos imperativos do ajuste fiscal, trata-se de um debate sobre políticas públicas e seus cinquenta tons de eficiência.
Há duas visões sobre o FIES. A primeira, que as empresas defendem, é de que o programa é barato quando se compara o gasto governamental por aluno em universidades públicas com o gasto por aluno nas empresas privadas. Por essa comparação, o FIES custa para o governo até nove vezes menos por aluno. Além disso, como trabalhadores com ensino superior tendem a ganhar mais, os alunos apoiados pelo FIES também pagarão mais impostos no futuro, diluindo o custo para o Estado de forma indireta.
A outra corrente diz que o FIES é caro. Se o Governo cumprir seu objetivo de crescer o número de alunos no programa para 3 milhões, isto representaria um aumento de dívida bruta de 30 bilhões de reais por ano até os alunos começaram a amortizar a dívida, que tem um ano e meio de carência e cujo pagamento é feito em cerca de três vezes o tempo do curso. Além disso, o juro do empréstimo feito pelo governo é de apenas 3,4%, enquanto a Selic está em quase 12%. (Ou seja, o governo perde dinheiro na operação). A política de crédito é inexistente: o FIES está disponível mesmo para alunos negativados no Serasa. (Nos Estados Unidos a inadimplência de empréstimos estudantis está em cerca de 15%.)
O País progrediu muito em promover o acesso ao ensino superior, mas, como qualquer programa social, o FIES tem custos que têm que estar transparentes para a sociedade. Um padrão acadêmico mínimo (como o imposto a partir de agora) é saudável e necessário para estimular os estudantes — e, dado que os recursos são finitos, premiar aqueles que realmente fazem por merecer.