Até o nome do fundador já diz a que veio: em meados do ano passado, Gunnar Lovelace reuniu mais de 40 mil pessoas no centro de Los Angeles.
O ativista — que foi criado numa comunidade hippie e depois fez fortuna com um marketplace de comidas orgânicas — chamou a manifestação para protestar contra o desmatamento na Amazônia.
Foi no meio do protesto (e do alto de um carro alegórico) que ele anunciou o lançamento do Good Money, um banco digital diferente de tudo que existe no mercado — começando por sua missão: enquanto os bancões buscam o lucro, o Good Money quer salvar o planeta.
E não é apenas marketing: o banco destina 50% de seu lucro para investimentos de impacto; não investe em empresas de petróleo (ou que causem danos ao meio ambiente), indústria de cigarros e de jogos, penitenciárias, ou qualquer companhia que perpetue o racismo. Nas transações de cartões, o banco destina parte do seu interchange rate a comunidades indígenas no Peru.
Mas nada disso é suficiente. Lovelace quer transformar até aquele pilar mais fundamental do capitalismo: o conceito de propriedade.
O Good Money distribui parte de suas ações para os usuários, numa estrutura acionária inédita e que demandou uma longa negociação com a SEC (além da contratação de um dream team jurídico).
Na prática, o Good Money fracionou seu capital em bilhões de ações com valor de 0,009 centavos de dólar cada. Essas ações — chamadas de ‘Good Shares’ — são distribuídas para os clientes do banco conforme eles forem usando a plataforma e cumprindo metas como indicar amigos, usar o cartão de crédito, ou transferir dinheiro.
Como até o coletivismo tem seus limites, há um teto de ‘Good Shares’ que cada usuário pode ganhar por ano, mas num evento de liquidez, como um IPO ou a venda da empresa, os clientes vão poder converter suas ações em dinheiro.
O app entrou no ar há cerca de um mês e já tem mais de 200 mil usuários, além de outros milhares na lista de espera.
Desde que surgiu, há um ano e meio, o Good Money levantou cerca de US$ 45 milhões com investidores como Ken Howery, o cofundador do PayPal, Peter Diamandis, o presidente da Singularity University, Marisa Drew, a head global de ESG do Credit Suisse, e Jim Breyer, um dois primeiros investidores do Facebook quando era sócio da Accel.
Na lista de investidores, há também uma gestora brasileira: a Positive Ventures investiu US$ 1 milhão na última rodada do Good Money, finalizada em março.
“Os millennials não querem mais que seu dinheiro seja usado para atividades que eles consideram ruins,” diz Fabio Kestenbaum, o cofundador da Positive Ventures. “O Good Money lida com esse anseio: como ataco as alavancas que geram as mudanças climáticas?”
Fundada em 2016, a Positive Ventures é um fundo de VC focado apenas em investimentos de impacto. No Brasil, já investiu na Letrus, dona de um software que melhora a leitura e escrita de estudantes; na Labi Exames, rede de laboratórios que faz exames a preços acessíveis; na Eureciclo, software que viabiliza transações de créditos de reciclagem; e, nos EUA, na OccamzRazor, uma biotech que usa inteligência artificial para desenvolver novos tratamentos para doenças como Parkinson.
Agora, está levantando um novo fundo de R$ 50 milhões e abrindo um escritório em Palo Alto, liderado pelo sócio e CIO Murilo Menezes, para focar ainda mais em startups americanas (o Good Money foi o primeiro aporte dessa estrutura).
Lovelace definitivamente não é o que se espera de um banqueiro.
Imigrante espanhol nascido em Ibiza, ele chegou ainda criança aos Estados Unidos, onde passou a infância e adolescência numa comunidade hippie criada por seu padrasto em Los Angeles. (O dono da Patagonia, a marca de roupas outdoors, morava na mesma comuna.)
Depois de se formar na UC Santa Cruz e criar várias startups que fracassaram, Lovelace fez fortuna com o Thrive Market, um marketplace de produtos orgânicos que é descrito como uma mistura da “Costco com o Whole Foods”.
Numa entrevista recente à Forbes, ele explicou sua visão sobre os bancões e o dinheiro:
“O consumidor médio americano gasta US$ 360 por ano por um produto bancário de m***a, onde os bancos pagam praticamente zero pelo seu dinheiro e depois alavancam esse capital num ratio de 10x para investir em coisas como o Dakota Access Pipeline (um oleoduto) e em prisões privadas,” disse.
“Crescer na pobreza me fez enxergar o dinheiro apenas como uma maneira de cuidar das pessoas que eu amo e de fazer o bem.”