O termo “sabra” é usado como sinônimo de um israelense nativo — mas é também o nome de uma fruta da família das cactáceas, amarga por fora e doce por dentro.
Em muitos aspectos, Golda Meir foi uma sabra — apesar de ter nascido em Kiev e ter sido criada em Milwaukee. Antes de se tornar primeira-ministra — numa época em que isso era quase inédito para as mulheres — e liderar Israel durante uma guerra existencial, Golda havia sido uma das grandes arrecadadoras da Diáspora, coletando fundos junto a judeus espalhados pelo mundo.
O lendário líder de Israel, Ben-Gurion, disse certa vez que, “um dia, quando a história for escrita, dirão que houve uma mulher judia que conseguiu o dinheiro que tornou o Estado possível.”
Esta imagem de fortaleza externa e doçura interior emerge em Golda, em cartaz nos cinemas. O filme do israelense Guy Nattiv acompanha uma das fundadoras do Estado de Israel nos piores dias de seu governo, de 6 a 25 de outubro de 1973, quando Egito e Síria desencadearam um ataque coordenado à nação judaica.
Ainda imbuído da confiança conferida pela vitória espetacular na Guerra dos Seis Dias, em 1967, Israel foi pego de surpresa pela investida de seus vizinhos no dia mais sagrado do calendário judaico, o Yom Kippur.
No poder desde 1969, Golda carregou sobre os ombros o peso da derrota fulminante infligida nos primeiros dias da guerra. Sob sua liderança, porém, Israel virou o jogo, recuperando os territórios perdidos para o Egito no Sinai e para a Síria nas Colinas de Golan.
Afora breves inserções de imagens de época, não se veem tanques ou tropas em Golda. O terror da guerra é acompanhado à distância, em salas de controle onde só se sabe do que acontece no front por transmissões de rádio.
Na primeira cena em que Golda Meir aparece, vemos apenas sua boca tensa, em um superclose indiscreto que revela pelos brancos brotando do queixo. Em seguida, a câmera mostra seus olhos castanhos, cercados de rugas.
Já nessas tomadas iniciais, o filme se equilibra entre a autenticidade e o artifício: mostra as duras marcas da idade no rosto da protagonista, mas as bochechas caídas e as rugas profundas são resultado das próteses e da maquiagem aplicadas ao rosto de Helen Mirren.
Golda é falado em inglês, mas as comunicações da linha de frente são todas em hebraico. Trata-se de gravações originais dos conflitos de 1973. A autenticidade do filme atinge aqui seu ápice: o espectador ouve o desespero real de um sobrevivente ferido dentro de um tanque atingido por um míssel.
Tal como é retratada, Golda Meir tem uma consciência aguda de que seu país corre o risco de ser aniquilado nessa guerra em duas frentes. Também sabe que esse perigo teria sido bem menor com uma mobilização prévia dos reservistas no feriado do Yom Kippur.
Mesmo quando suas tropas começam a obter vitórias, ela segue assombrada pelas vidas israelenses que poderiam ter sido poupadas. O roteiro de Nicholas Martin enfatiza esse drama íntimo com um recurso um tanto melodramático, mas eficiente: a estenógrafa que registra as reuniões da primeira-ministra com o alto comando militar é mãe de um jovem que está combatendo no Sinai.
A escolha da inglesa Helen Mirren – que não é judia – para o papel central suscitou algumas críticas e um debate fátuo nas redes sociais (a mesma gritaria já se levantou em torno do nariz prostético que Bradley Cooper usou para viver o regente e compositor Leonard Bernstein em Maestro, filme que só estreia em novembro). Sua atuação, no entanto, é o ponto forte do filme.
Mirren dá a nota certa para as características contraditórias de sua personagem. Em sua interpretação, a insegurança da primeira-ministra que não tinha experiência militar prévia não destoa da firmeza com que ela fala com aliados e inimigos.
São de uma delicadeza tocante as cenas em que Mirren contracena com Camille Cottin. A atriz francesa faz Lou Kaddar, a assistente pessoal da primeira-ministra e sua única acompanhante nas sessões de tratamento de um linfoma agressivo (a doença era mantida em segredo).
No embate político, são excelentes os diálogos entre Golda e o então secretário de Estado dos Estados Unidos, Henry Kissinger (Liev Schreiber). “Eu sou americano em primeiro lugar, secretário de Estado em segundo, e judeu em terceiro”, diz Kissinger, em uma passagem rápida por Israel. Golda é rápida na resposta: “Você esquece que em Israel nós lemos da direita para a esquerda”.
Maquiagem e próteses são artifícios que contribuíram para a autenticidade de Golda. As bochechas talvez sejam excessivas, mas não prejudicam em nada a atuação da atriz. Não se pode dizer o mesmo de outro artifício: o cigarro.
Consta que Golda Meir fumava 70 cigarros por dia, e esse detalhe teria de ser representado em qualquer filme sobre ela. Mas a obsessão com que a câmera registra seu consumo tabagista e centra o foco em cinzeiros cheios configura um maneirismo cansativo. Também há fumaça em excesso nos pesadelos e delírios que afligem Golda Meir nos dias de angústia.
Em entrevistas, Guy Nattiv tem dito que quis fazer justiça à personagem principal. Ele acredita que Golda foi injustamente responsabilizada pela falta de preparo de Israel em 1973, e por isso renunciou no ano seguinte. Falhas na inteligência israelense teriam sido mais determinantes para o sucesso inicial de sírios e egípcios. Esse argumento, porém, ficou muito diluído ao longo do filme. Golda consegue reforçar, isso sim, o papel da primeira-ministra na abertura de negociações com o Egito, depois da guerra.
O linfoma levou Golda Meir em dezembro de 1978, aos 80 anos. Dois meses antes, os acordos de Camp David, assinados por Menachem Begin, primeiro-ministro de Israel, e Anwar Sadat, presidente do Egito, lançaram a fundação para a paz entre os dois países.