O grupo Globo está comprando a participação de 50% da Folha de São Paulo no Valor Econômico, no qual ambos eram sócios iguais desde a fundação do jornal em 2000.
O anúncio, feito hoje por volta do meio-dia na redação do jornal, veio horas depois da festa de premiação anual do Valor 1000, que reuniu dezenas de empresários ontem à noite em São Paulo.
Com a transação, o Globo passa a deter o controle integral do jornal criado pelo jornalista Celso Pinto para desafiar a então-monopolista e agora-finada Gazeta Mercantil. Três anos depois do lançamento, Celso teve que se afastar por motivos de saúde, e o jornal passou a ser editado por Vera Brandimarte.
A compra vem num momento em que o Valor é desafiado pela crise econômica, que deprime a receita publicitária, e pela queda estrutural da chamada ‘publicidade legal’: os balanços e anúncios oficiais que a lei obriga as empresas de capital aberto a publicar.
Desde março de 2014, a Comissão de Valores Mobiliários permitiu que anúncios oficiais (como fatos relevantes) sejam feitos online, drenando receita antes cativa do Valor. Executivos do meio estimam que a publicidade legal represente mais da metade da receita publicitária do jornal.
Depois de vários anos consecutivos no azul, o jornal perdeu dinheiro nos últimos três anos: R$ 7,8 milhões em 2012, R$ 18,4 milhões em 2013 e R$ 26,8 milhões em 2014. O balanço de 2015 ainda não foi publicado.
Folha e Globo tiveram uma sociedade profícua.
A criação do jornal demandou investimentos de apenas US$ 50 milhões, parte disso aportado com serviços de impressão e distribuição prestados pelos sócios e depois transformados em capital.
Por manter uma redação independente dos jornais dos dois sócios, o Valor se firmou como um jornal com personalidade própria — mas, como a velha Gazeta, também se beneficiou do fato de não ter concorrentes. (O Brasil Econômico, lançado em 2009 pelo grupo português Ongoing, parou de circular no ano passado.)
Segundo a Associação Nacional dos Jornais, o Valor teve uma tiragem média de 40 mil exemplares em 2015, uma queda de 7,3% em relação ao ano anterior — menor que os tombos de 10,4% de O Globo (com circulação média de 183 mil) e de 17,2% da Folha (175 mil).
Mas a parceria também teve momentos de turbulência.
Em abril de 2001, os irmãos Marinho causaram desconforto nos sócios ao fazer uma incursão inédita no mercado de São Paulo com a compra do “Diário Popular”, que pertencia ao ex-governador Orestes Quércia.
A Infoglobo, veículo dos Marinho que controla os jornais da família, teria pago cerca de R$ 200 milhões pelo jornal e assumido R$ 100 milhões em dívidas. (É impossível afirmar se estes números estão corretos; ironicamente, a fonte deles é uma matéria “segundo a Folha apurou” publicada à época.)
A proposta era usar o Diário Popular para concorrer no Estado tanto com os jornais populares quanto com os de circulação nacional, e a Infoglobo mudou o nome da publicação para “Diário de S. Paulo”.
A estratégia não vingou e, em 2009, o grupo revendeu o jornal para o empresário J. Hawilla, mais conhecido como o dono da empresa de marketing esportivo Traffic, e também dono de algumas publicações no interior de São Paulo. (Em 2013, o próprio Hawilla vendeu tanto o Diário quanto as participações nas publicações do interior para outra empresa.)
Outra fonte de tensão entre os sócios foi o lançamento, há três anos, do Valor Pro, uma plataforma para vender informação em tempo real para os participantes do mercado financeiro. Os sócios investiram R$ 100 milhões no projeto, mas o produto tem tido dificuldade em se viabilizar em meio à concorrência da Broadcast, historicamente a líder deste mercado (e que hoje enfrenta seus próprios problemas), além dos terminais globais como Bloomberg e Reuters.
A decisão de venda da Folha vem num momento de stress financeiro para o jornal. Na semana passada, a Folha demitiu pelo menos 10 jornalistas — há quem diga que o número seja bem maior — e anunciou que vai fechar a sucursal do Rio, mantendo apenas cinco repórteres que trabalharão de casa e se reportarão a São Paulo. Além disso, a Folha fundiu sua editoria de Esportes com o caderno Cotidiano e tem pedido que seus repórteres especiais passem a se relacionar com o jornal como pessoas jurídicas.
Para a Infoglobo, o movimento óbvio será enxugar ainda mais a estrutura do Valor e tentar colher sinergias na área administrativa e na publicidade, além de expandir e monetizar melhor a edição online do Valor.
Mas o grande desafio — que definirá se este foi um bom ou mau negócio — será manter a percepção do Valor como um produto independente, com uma voz e marca próprias, em vez de transformá-lo num mero subproduto de O Globo.