Gestoras de ações do Itaim e Leblon geralmente sofrem com a escassez de empresas. Na GEO Capital, o problema é o oposto: peneirar mais de 60 mil companhias listadas lá fora para encontrar as melhores oportunidades.

Uma das poucas casas brasileiras que faz apenas a gestão de ativos globais, a GEO vem lapidando seu stock picking desde sua fundação em 2013. Agora, chegou a um universo de cobertura de 60 empresas com os três atributos que busca: poder de preço, potencial de crescimento e ‘cultura de dono’.

10528 509e9621 6143 0000 0003 5bdef7715c50Se alguma nova empresa entra no universo de cobertura, outra tem que sair. “Optamos pela profundidade em vez da abrangência”, diz Daniel Martins, diretor de investimentos da GEO, que já teve passagem pelo investment banking da Goldman, Deutsche e Lazard.

Ele é sócio-fundador da casa ao lado de Oliver Mizne, que foi do research do Garantia e fundou a startup de crédito estudantil Ideal Invest; e de Pino Di Segni, co-head do private banking da Hedging Griffo até 2013 e que hoje responde pela área comercial da GEO.

O pente-fino das empresas que serão acompanhadas é apenas o primeiro passo para entrar na carteira. A gestora tem uma meta de taxa interna de retorno para cada papel que vai de 8% a 21%, dependendo da qualidade atribuída à empresa.

Com R$ 521 milhões sob gestão, a casa cresceu em meio ao vento de popa da valorização do dólar e bom momento dos mercados desenvolvidos, que tornaram mais fácil vender a tese da diversificação (o retorno é em moeda americana, sem proteção cambial). Desde seu início, no entanto, o fundo perde do benchmark: o retorno acumulado é de 26,22% em dólares contra 28,46% do MSCI World, que reúne as principais ações dos países desenvolvidos.

O Brazil Journal conversou com Martins sobre as principais posições do fundo.

 

Hoje a maior posição de vocês é Disney. Por quê? A compra da Fox não saiu muito cara?

A Disney é uma empresa com muita propriedade intelectual e precisa de canal para distribuí-la. Um parque nada mais é que um canal para monetizar essa propriedade intelectual. Em alguns canais, ela é mais ou menos integrada no downstream. No parque, o canal é dela. No cinema, não: ela faz um filme e distribui através de terceiros para chegar ao consumidor final.

É verdade que grande parte do lucro vem dos canais, onde a ESPN é bastante importante. E a ESPN tem sofrido um problema: o ‘cord-cutting’ [pessoas cancelando a TV a cabo] que está acontecendo por causa da Netflix.

Essa cadeia de TV a cabo tem sofrido nos últimos anos e isso está impactando o número de assinantes. Mas, na nossa visão, isso é mais um problema de canal do que de propriedade intelectual da Disney. As pessoas querem continuar a consumir esportes, querem continuar consumindo a propriedade intelectual. Quando a Disney anuncia que vai ter seu próprio streaming, criar seu próprio Netflix, vemos muito valor no sentido de resolver esse problema de canal.  Nesse sentido, a Fox não saiu cara porque tem muito valor estratégico: ela traz conteúdo para ganhar mais força nessa estratégia de canal digital que a Disney procura cada vez mais.  

Você citou esse problema para as empresas de TV a cabo, mas tem Comcast no portfólio.

Sim. E ela está sendo impactada por essa parte de TV a cabo. Mas ela tem um outra característica importante: conforme você consome mais Netflix ou mais Disney ou qualquer outro conteúdo por streaming, o que você precisa? Mais acesso à Internet. E o grande valor da Comcast está aí.  A parte de TV a cabo vai continuar caindo, mas a parte de Internet vai ficar cada vez mais importante e, nesse segmento, a margem é bem maior, porque não envolve a compra de conteúdo de ninguém. Essa é uma das métricas que a gente mais olha na Comcast: o upgrade dos pacotes de Internet.

A AB Inbev vem sendo muito questionada por conta do fraco crescimento de Bud nos Estados Unidos e pelo desafio de competir com as cervejas artesanais. Como vocês vêem a empresa?

Fora dos Estados Unidos, a AB Inbev tem marcas de bastante apelo e que estão crescendo bastante. A Corona está crescendo no mundo inteiro. O ponto é que ela não tem a marca Corona dentro dos Estados Unidos. [Quando a compra da Modelo foi aprovada, ela teve que vender a marca para a Constellation Brands].

E, ainda fora dos Estados Unidos, marcas que são mais tradicionais por lá, como a própria Bud, são posicionadas com premium em outros mercados. A China está crescendo bastante, a África, que veio com a compra da SAB Miller, também. Tem várias vias e possibilidades de crescimento para a Bud fora dos Estados Unidos, que é um dos motivos pelos quais a gente gosta.

Mas, mesmo nos EUA, onde o volume está estagnado, é um mercado muito racional, não existe tanta guerra de preço. A gente está preocupado com proteção de ‘profit pool’, com geração de caixa sendo mantida e crescendo. E mesmo com o volume flat, a tendência é ir em direção ao produto premium. As pessoas estão consumindo cada vez mais cervejas mais caras. A BUD é capaz de cobrar um pouco mais e tem possibilidade de expansão de margens porque o seu mix está ficando cada vez mais favorável nas cervejas que está vendendo dentro dos Estados Unidos.

A Kraft Heinz tem a mesma narrativa: um gigante tradicional de consumo que vem sendo desafiada num mundo de inovação. Vocês acham que a empresa vai voltar a crescer organicamente ou estão na expectativa de uma grande aquisição?

Acompanhamos a Kraft Heinz há uns três anos e nunca conseguíamos ter a companhia na carteira porque os múltiplos não faziam sentido.

No começo do ano passado, depois que vazou a potencial aquisição da Unilever, o preço foi para US$ 90, US$ 95. Nesse preço já estava embutida uma alocação de capital grande, com altíssima probabilidade de acontecer, e antecipação de captura de sinergia, tudo já precificado. Eu nem questionava se ia acontecer ou não, mas não dá para pagar tudo na frente.

De lá para o começo deste ano, a empresa é exatamente a mesma. O que aconteceu foi que o múltiplo desinflou a expectativa que havia  sobre essa alocação de capital. Foi quando a gente começou a montar nossa posição. Na nossa visão, o mercado exagerou na outra mão, colocando como se essa chance de uma grande aquisição fosse zero. Foi uma oportunidade de comprar uma empresa que organicamente já se justificava naquele preço, pagando praticamente zero pela opcionalidade de uma alocação de capital que tem grandes chances de acontecer.

Falou-se muito da Mondelez como um alvo da Kraft e vocês tem esse papel em carteira. Você acreditam numa aquisição?

Eu até reconheço a possibilidade mas, mesmo sozinha, a Mondelez já se justifica. Ela tem um portfólio bastante amplo, especialmente em produtos de ponta de gôndola, que tem alto giro. A distribuição e a reposição disso é uma vantagem competitiva, assim como a presença em vários países de crescimento: Brasil, Rússia, Leste Europeu e por aí vai. Na nossa visão, tem muito valor ainda a ser capturado.

Ainda na indústria de alimentos e bebidas, vocês têm Coca-Cola. Qual sua visão para a empresa?

Por um lado, tem uma discussão de que se está consumindo cada vez menos Coca-Cola. Por outro, tem um movimento que aconteceu nos Estados Unidos e agora já estamos no fim desse ciclo, que foi todo um processo de refranquia das engarrafadoras. Elas recomprou as engarrafadoras e revendeu para outros players. Mas, muito mais que se desfazer do ativo, o contrato é outro. E é isso que tem valor.

No passado, todo elo da cadeia de engarrafadoras era motivado por volume. A Coca-Cola queria vender o concentrado e os distribuidores tinham incentivo para comprar – quando mais concentrado você comprasse, mais barato ficava. Então o que a distribuidora fazia? Garrafa de cinco litros, imensas, porque o incentivo era puxar canais de vendas de volumes grandes. Não vendia.

O que aconteceu na mudança desses contratos? Agora é vinculado a percentual da receita. Então, ficou uma coisa muito mais voltada a valor do que necessariamente volume. Agora você consegue agregar valor porque o produto não é mais comoditizado, dá para fazer embalagens menores, que tem mais saída, por exemplo.

Kraft Heinz, Mondelez, Coca-Cola… A tendência de comidas mais saudáveis que vem desafiando a indústria de Big Food não preocupa vocês?

A verdade é que a esse tipo de alimento tem seu público. Pode até ter um movimento na Califórnia, em Los Angeles, na Costa Leste [em direção a comida mais saudável], mas tem um grande público que quer consumir ainda esses produtos. Existe na margem mais oportunidade de crescer para esse público do que consumidores a se perder. Cerca de 80% da geração de caixa da Kraft é na América do Norte; tem muita oportunidade de crescimento fora. Uma das vantagens competitivas da Coca-Cola é o sistema Coca-Cola. Ela pode comprar outras marcas, distribuir junto, tem poder de barganha com o canal.

No setor financeiro, vocês tem a Amex. Por que este setor de meio de pagamentos e por que não outras bandeiras, como Visa e Mastercard?

Essa parte de meio de pagamento, de bandeira de cartão, a gente entende que é um elo da cadeia que é muito difícil de disrupt. Visa, Mastercard e Amex tem muito valor.  Só que quando a gente olha os múltiplos de Visa e Mastercard, estão a quase 30 vezes lucro, e a Amex está a 13, 14 vezes.

Diferentemente de Visa e Master, a Amex é um banco. Nos Estados Unidos é ela quem emite o próprio cartão. Apesar de ter parcerias com outros bancos  – você pode ter um cartão embandeirado Amex que foi emitido pelo Wells Fargo, por exemplo – na maior parte dos casos é ela quem corre o risco de crédito, quem empresta o dinheiro. Se a Amex merece um múltiplo ponderado de banco – na casa das 10 vezes – com o de bandeira, ainda assim o preço da ação está muito descontado. É um banco de alta renda, e a perda dentro da Amex é muito baixa comparada com outros players.

Ok, mas por que o mercado está descontando tanto?

Quando começamos a montar nossa posição, há pouco mais de dois anos, a Amex tinha acabado de perder um contrato importante com a Costco. E ela emite muitos cartões através de parcerias com lojas e empresas como essa. Então, quando o contrato foi rompido, ficou a questão: até que ponto esse modelo de parceria está sub judice?

O que a gente fez? Foi conversar com outros parceiros, com a Delta, com a Marriott. E não constatamos uma ruptura no modelo. Por outro lado, o setor de bancos americano teve um escrutínio regulatório muito grande nos últimos anos. Para Amex, não foi diferente.

O S&P mais que quadruplicou desde o low de 2008 e muita gente diz que uma correção é iminente. Como vocês se protegem?

A natureza do nosso processo tem um quê de contraciclicalidade. Nossa visão nunca é se o mercado está caro ou barato olhando o S&P como um todo. A gente está olhando um subgrupo de 60 empresas e tendo uma visão sobre essas 60 empresas, se elas estão mais caras ou mais baratas.

Como a gente está sempre olhando TIR, se o mercado estiver indo de caro para mais caro, a gente vende e vamos fazendo caixa. Foi o que aconteceu em janeiro deste ano, que foi bastante forte para o mercado americano, chegou a bater, salvo engano, 7% ou 8% nas três primeiras semanas do ano. A gente estava vendendo posição na margem. A gente virou o ano perto de 90% investido e saiu de janeiro com 80% investido.

Quando o mercado voltou, em fevereiro, voltamos a comprar. Claro que a gente precisa se questionar se os motivos que levaram o mercado a ficar nervoso mudam nossa visão de longo prazo e valor intrínseco. Mas se a resposta é não, quando o mercado está caindo nós estamos comprando.