Em O Investidor Inteligente, Ben Graham narra a história de dois sócios de uma gestora de recursos que alocaram cerca de 20% de seu capital em uma única ação.

A certa altura, o papel lhes rendeu um ganho de mais de 200 vezes, e ainda assim eles não venderam – mesmo sem conseguirem justificar a posição com base em seus próprios critérios de valuation.

Os gestores quebraram suas próprias regras na hora de comprar a ação, e as quebraram novamente ao mantê-la.

Graham concluiu que, “ironicamente, os lucros desta única decisão excederam em muito a soma de todas as outras ao longo de 20 anos, que envolveram muita investigação, ponderações intermináveis e inúmeras decisões individuais.”

O conto de Graham é, na verdade, um relato pessoal sobre o investimento fora de série que ele e seu sócio fizeram na GEICO em seu IPO em 1948, e contrasta com a estratégia de ‘cigar butts’ que ele pregou ao longo da carreira e pela qual ficou conhecido.

Esta história também inclui outro protagonista: seu aluno e discípulo, Warren Buffett. Em 1951, um Buffett recém formado, então com 21 anos, escreveu o artigo The Security I Like Best, onde apresentou sua tese de investimento na ação.

Surpreendentemente, a tese de Buffett baseava-se nas perspectivas de crescimento de longo prazo da GEICO – e não no múltiplo descontado da empresa, a metodologia à qual Graham é mais associado.

Buffett investiu cerca de metade de seu patrimônio pessoal na ação na época.

“A GEICO qualifica como uma legítima empresa de growth,” Buffett escreveu no artigo. “É claro que o investidor de hoje não lucra com o crescimento de ontem. Mas no caso da GEICO, há motivos para crer que a maior parte do crescimento está por vir. No preço atual, parece que nada está sendo pago pelo tremendo potencial de crescimento da empresa.”

Sua previsão foi impecável. Nas duas décadas seguintes, os carros em circulação nos EUA mais do que dobraram, o seguro de automóvel se tornou compulsório e a GEICO, por oferecer preços mais baixos por não utilizar intermediários, decolou. Seus prêmios aumentaram 55x e seu valor de mercado multiplicou mais de 120x no período.

Mas Buffett não capturou esta valorização. Seu envolvimento com a empresa foi rapidamente interrompido apenas um ano depois de seu investimento. Após um rápido ganho de 48% Buffett vendeu toda a posição, realocando o capital em outra oportunidade que parecia demasiadamente descontada – uma decisão que viria a lamentar.

Graham, por outro lado, permaneceu investido, acumulando um retorno de 50x até sua aposentadoria e dissolução da partnership em 1958. E ainda assim ele não vendeu: seu investimento na GEICO multiplicou mais quatro vezes até 1972.

Porém, no início dos anos 70, a seguradora em rápido crescimento enfrentou dificuldades causadas por nova regulação, alta inflação e má gestão. Embora seus problemas fossem disfarçados por práticas contábeis, em 1975 a empresa reportou prejuízos relevantes e postergou dividendos pela primeira vez na história.

A crise financeira e de credibilidade culminou em uma mudança de CEO e numa queda de mais de 95% na ação até seu ponto mais baixo em 1976.

À beira da falência, o novo CEO emitiu uma nova série de ações preferenciais conversíveis. Foi então que, 25 anos após sua recomendação de compra, Buffett volta à cena e se torna um dos principais investidores da seguradora através da Berkshire Hathaway, a empresa têxtil da qual é o acionista de referência.

Um ano depois, com cortes de custos agressivos e a ajuda financeira de seus concorrentes – temerosos de um contágio – a GEICO voltou à lucratividade e ao crescimento.

Buffett continuou comprando ações da GEICO até 1980, atingindo uma posição de 27% do patrimônio líquido da Berkshire e acumulando uma participação de 33% da empresa a um custo total de US$ 46 milhões.

Nos 15 anos seguintes, apesar de não fazer novas compras, a participação da Berkshire cresceu para 51%, já que a GEICO recomprar agressivamente sua ação. Em 1995, o investimento da Berkshire na GEICO já havia retornado 51x o principal – acumulando um ganho não-realizado de US$ 2,3 bilhões.

Mas Buffett era insaciável e, naquele ano, a Berkshire fez uma oferta e comprou os 49% restantes, assumindo o controle total da empresa por US$ 2,3 bilhões adicionais, a um valuation de 19x o lucro daquele ano.

Desde então, a GEICO passou a reportar seus resultados como subsidiária da Berkshire. De 1995 a 2022, a companhia aumentou seus prêmios em 14x. Se a empresa tivesse continuado na Bolsa, estimamos que o desempenho da ação provavelmente teria seguido a trajetória de seu lucro por ação, retornando cerca de 15% ao ano no período (incluindo as recompras) – superando o S&P500 novamente por uma ampla margem.

Esta impressionante trajetória mostra que algumas raras companhias podem ser investimentos espetaculares em vários momentos do tempo. Vender cedo demais é um equívoco comum, mesmo para o melhor investidor de todos os tempos.

Buffett agora é sócio da GEICO há 47 anos, obtendo um retorno anualizado de 18% no investimento e multiplicando o capital 2.200 vezes: uma verdadeira validação de que o dinheiro grande não está na compra ou na venda, mas na espera.

Num paper de 2018, Do stocks outperform Treasury Bills?, o professor de finanças Hendrik Bessembinder valida a estratégia de Buffett de concentrar a carteira.

O estudo mostra que, apesar do índice de bolsa americana superar a taxa livre de risco, apenas 4% das ações listadas desde 1926 a 2018 responderam por toda a outperformance da Bolsa — as demais 96% empataram com as Treasuries no período.

Ou seja, para gerar alfa um gestor precisa encontrar as ações vencedoras no longo prazo, concentrar sua carteira e não vender.

Leonardo Otero e João Valladares são sócios da Arbor Capital.