Um dos maiores atores do País, Antonio Fagundes, antes de ser o galã por excelência da televisão, é um empreendedor.
Foi assim que ele consolidou uma profícua carreira de quase seis décadas no teatro e no audiovisual, tomando as rédeas do seu trabalho e criando oportunidades.
“Comecei a viabilizar meus espetáculos porque precisava pagar as contas e ter os meios de produção nas mãos para não ficar à mercê do mercado,” Fagundes disse ao Brazil Journal.
Ao contrário da maioria dos produtores – que dependem das leis de incentivo para viabilizar seus espetáculos – desde 1975 Fagundes banca suas peças com recursos do próprio bolso e aposta na bilheteria para recuperar o investimento.
Só recorreu às leis de incentivo três vezes – nas peças Últimas Luas (1999), Sete Minutos (2002) e As Mulheres da Minha Vida (2005) – e se arrependeu, porque no final as peças teriam se sustentado sem isso.
“A lei faz uma série de exigências, e o produtor compromete 20% da lotação para ONGs, 30% para o aluguel do teatro, 20% em impostos – e quando estreia, já está devendo”, explica. “O patrocínio elevou o custo da produção a um ponto que impede a sua manutenção e, quando começa a entrar algum dinheiro, a peça sai de cena.”
Hoje com 75 anos, o artista entendeu cedo que popularizando seu nome através das novelas – o que aconteceu a partir de meados dos anos 70 – ampliaria o interesse em torno de suas peças.
“Mas claro que sempre me preocupei em oferecer uma curadoria de qualidade”, diz. “Um ator ser conhecido ajuda na divulgação, mas se a peça for ruim ela sai de cartaz com a mesma facilidade.”
O espetáculo Dois de Nós, que estreou no dia 5 em São Paulo, é apenas o mais recente exemplo deste equilíbrio entre arte e mercado.
Com direção de José Possi Neto, a comédia escrita por Gustavo Pinheiro apresenta um marido e uma mulher perto dos 70 anos (interpretados por Fagundes e Christiane Torloni) que, em um quarto de hotel, se enxergam refletidos em um casal 30 anos mais jovem (vivido por Thiago Fragoso e Alexandra Martins).
Em meio ao jogo de espelhos, conflitos íntimos, diferenças de personalidades e situações engraçadas emocionam e divertem a plateia em uma fórmula certeira para obter resposta nas bilheterias.
Fagundes confessa que não sabe o que o público deseja ver, mas tem certeza do que é capaz de afugentá-lo. “Ninguém quer sair do teatro sem entender nada do que viu.”
Em Dois de Nós, a equipe inteira trabalha em um sistema de parceria e recebe porcentagens da venda de ingressos. “Ninguém deve ficar rico, mas sobra para todos,” brinca. Sua montagem anterior, a comédia Baixa Terapia, superou 600 sessões em quatro anos e teve 400.000 pagantes. Em 2017, o investimento inicial de R$ 40.000 retornou no fim da segunda semana.
Fagundes não revela o orçamento de Dois de Nós, mas confessa que é bem mais robusto. “Devo recuperar tudo no terceiro mês de temporada”, aposta. “Eu projeto espetáculos para permanecerem pelo menos dois ou três anos na estrada, então, depois do terceiro mês, só terei lucro.”
A primeira empreitada como produtor, em 1975, foi com o monólogo Muro de Arrimo, um ano antes de o artista assinar contrato com a Rede Globo, a emissora que o tornaria famoso e o manteria em seu quadro fixo até 2020.
Na década de 1980, Fagundes fundou a Companhia Estável de Repertório, que por 10 anos montou grandes sucessos como Morte Acidental de um Anarquista, Xandu Quaresma e Cyrano de Bergerac. As peças estreavam em São Paulo e seguiam em turnê pelo País. “Fui criando um fundo de caixa e descobri um modus operandi que, permanecendo em cartaz, fazia a contabilidade girar.”
O ator e produtor assume que “errou feio e se deu mal” uma única vez. Em 1996, ele fez uma dobradinha de duas peças, a comédia Vida Privada e o drama Oleanna, que tratava sobre assédio sexual em uma universidade, no Teatro Procópio Ferreira, em São Paulo, com sessões alternadas.
“A primeira colocava 600 pessoas por dia; a outra reunia umas 50,” lembra. O monólogo Restos (2009) e o drama Vermelho (2012) registraram frequências muito abaixo das suas expectativas, porém, segundo ele, não houve prejuízo. “O que investi ali eu recuperei nas peças seguintes – Tribos e Baixa Terapia – que fizeram sucesso.”
Conhecedor dos métodos de operação do teatro, Fagundes decidiu pisar em um terreno mais movediço: o cinema.
No mesmo formato independente, produziu em 2018 o filme Contra a Parede, que foi exibido pela Rede Globo e pelo Globoplay, sem chegar à tela grande.
Agora, sua mais recente investida está em fase de pós-produção: o longa Maldito Benefício, dirigido por Leonardo Cortez e rodado no fim de 2023, com Fagundes, Rômulo Estrela e Luís Miranda no elenco. As negociações para as telas do cinema ou do streaming estão em curso.
“O problema é que a distribuição e a exibição não estão em minhas mãos e tudo fica complicado,” diz o empresário preocupado com seu retorno. “Assim como no teatro, é possível fazer um filme com mais ou menos dinheiro.”