Depois de décadas de promessas frustradas para se melhorar o Centro do Rio, um grupo de empresários decidiu trazer para o Brasil um formato de PPP urbana ainda inédito por aqui.
Os “business improvement districts” (BID) são organizações sem fim lucrativo que administram áreas comerciais e fazem tudo que a Prefeitura não consegue ou que não é prioritário para um bairro.
Cerca de 17 empresas, donas de 50 imóveis no Centro do Rio, já participam da iniciativa, que deve ser oficialmente lançada no final de março – incluindo nomes como o Bradesco, Brookfield, Tishman Speyer, BR Properties e Opportunity.
Aportuguesado para “Área de Revitalização Econômica” (ARE), o BID carioca compreenderá no primeiro ano um quadrilátero formado por cinco quarteirões contíguos, perto do Fórum. As prioridades serão zeladoria, iluminação e segurança.
Como métrica desse primeiro laboratório, o grupo vai medir o número de passantes na área para ver a evolução da frequência depois das melhorias. O objetivo é aumentar o tráfego de pessoas em 30% nos primeiros seis meses, beneficiando 181 negócios instalados na área.
“O Centro do Rio foi arruinado pelo descaso da gestão Crivella e pela pandemia,” Marcelo Haddad, diretor da Aliança Centro-Rio, que está capitaneando a iniciativa, disse ao Brazil Journal.
Na verdade, o Centro do Rio já era desabitado há décadas, com uma população muito menor que a do Centro de São Paulo, mas é fato que a vida comercial e empresarial – que desenvolve de dia – levou um grande baque nos últimos anos.
“Há certas coisas nas quais é melhor que a iniciativa privada se responsabilize mesmo, como paisagismo, promoção comercial, calendário de eventos e o embelezamento da área,” disse Haddad.
Nos BIDs dos EUA e Europa, a prefeitura abre mão de parte da arrecadação municipal da área, que continua sendo arrecadada – compulsoriamente – e entregue para a administração do BID. Em cidades americanas, como Los Angeles e Boston, todos os estabelecimentos comerciais na área demarcada precisam pagar um acréscimo.
No Brasil, constitucionalmente seria impossível a prefeitura decidir que 10% ou 20% do IPTU de uma área seja administrada por um ente privado, então a Aliança é voluntária. Os contribuintes terão que ser convencidos.
O objetivo do BID carioca é chegar a 100 prédios participantes (e pagantes) até junho – o dobro do número de participantes na partida. O orçamento do primeiro ano será de R$ 800 mil, e haverá cinco categorias de cotistas.Os menores – restaurantes e lanchonetes familiares, que não sejam de rede – pagarão R$ 1.400 por mês. Os maiores – serão necessários três supercotistas, patrocinadores – pagarão R$ 150.000 cada.
Haddad disse que o grupo já conversou com 17 instâncias públicas diferentes que têm responsabilidade ou poder direto sobre o Centro do Rio – como o Ministério Público, a Defensoria, sete órgãos diferentes da Prefeitura, Polícia Militar e Governo estadual – para evitar ações civis contrárias e explicar o conceito de BID no País.
A ideia já foi apresentada à Prefeitura e ao Governo do Estado e, segundo Haddad, foi bem-recebida.
“Se criarmos uma área de excelência urbana, teremos capacidade regenerativa de várias áreas degradadas Brasil afora,” sonha Haddad.
Para o desafio, a Aliança Centro-Rio contratou como consultor o arquiteto e urbanista Washington Fajardo, que foi secretário de Planejamento Urbano da Prefeitura do Rio até agosto passado, e que também presta consultoria para projetos de requalificação do Centro de Belo Horizonte.
Uma das primeiras ideias que deve sair do papel é driblar o clima de decadência e abandono por dezenas de placas de “vende-se” e “aluga-se”. Do mesmo jeito que muitos shoppings fazem, Haddad diz que esses locais fechados serão envelopados com cartazes na linha “Vêm novidades por aí”.
Um dos modelos mais bem-sucedidos de BID foi a área conhecida como Magnificent Mile, em Chicago. O que foi por muitos anos o principal endereço de grifes da cidade começou a decair no final dos anos 60 com a migração da população branca e mais rica para os subúrbios, a criação de grandes shoppings fora da cidade e o esvaziamento da população na área central.
Há 50 anos em operação, o BID da Magnificent Mile mantém um site ativo com eventos de janeiro a dezembro, coordenados com lojas, hotéis, restaurantes e teatros. A organização rotineiramente promove festivais gastronômicos e musicais, decoração especial, promoções com descontos, convida artistas para fazerem instalações e iluminação especial, além, é claro, de ser responsável pela segurança da área.
Como no Brasil a cobrança da taxa não é obrigatória, o trabalho de convencimento dependerá de resultados rápidos.
Numa pesquisa feita pelo grupo, perguntando a lojistas locais se estariam dispostos a pagar a tal taxa extra, 50% dos ouvidos responderam: “já pago IPTU”.
Mas, segundo Haddad, em outras cidades pouco entusiasmadas com o esquema, a desconfiança se transformou em apoio total depois de um ou dois anos de melhorias, como a Cidade do Cabo, na África do Sul, que já conta com 18 BIDs.
A organização diz que o Centro do Rio será o primeiro BID da América Latina, ainda que já exista uma associação civil na Cidade do México fazendo um trabalho parecido há mais de oito anos. O Distrito de Mejora Colaborativa cuida da área ao redor da Glorieta de Cibeles, no bairro Roma – o mesmo do filme em preto e branco que ganhou o Oscar.
O Rio pode criar algo maior, que pode despertar o empresariado de diversos centros históricos em franca agonia, de São Paulo a Recife, de Porto Alegre a Ribeirão Preto.