A greve dos caminhoneiros trouxe de volta à agenda econômica uma série de práticas que o Brasil — ou pelo menos uma parte dele — está tentando enterrar: subsídios para combustíveis e tabelamento de preços. Tudo com o cheiro de naftalina dos anos 70.
Uma das ‘vitórias’ da categoria, o tabelamento do frete já começou a fazer estragos na economia.
Segundo estudo da Esalq, com a imposição da tabela o aumento do frete para itens como soja, milho, farelo de soja e açúcar será de 70%, mas pode chegar a 154% se o contratante também pagar o frete de retorno.
Na pressa de acabar com a greve, o Governo produziu uma medida provisória confusa que exponencializou o grau de incerteza para quem contrata o frete, e a resolução da Agência Nacional de Transportes Terrestres — que deveria detalhar a medida — não ajudou.
A regra da ANTT não explica, por exemplo, o tipo de caminhão que faz jus ao valor estipulado. (A tabela só deu preço para o caminhão de cinco eixos, enquanto o agronegócio, por exemplo, tipicamente opera com caminhões de sete, oito, nove eixos.)
A MP também faz referência ao “eixo carregado,” mas a ANTT tabelou até o “frete de retorno”, dando a entender que mesmo quando o caminhão está voltando vazio o contratante teria que pagar o frete — o que não é uma prática de mercado. Finalmente, o Congresso inseriu na lei o seguinte dispositivo: se o diesel variar 10% para cima ou para baixo, a tabela terá que ser revisada — o que não aconteceu ainda.
A penumbra jurídica já está dificultando as negociações entre agricultores e trading companies para o plantio da safra 2018/2019. De agora até outubro, quando começarão a meter a semente na terra, os fazendeiros negociam com empresas como Cargill, ADM e Bunge a venda antecipada de parte da safra. Um fazendeiro que estima colher 55 sacas por hectare pode querer vender 30 sacas à trading company como forma de cobrir seus custos de plantio.
Nas conversas deste ano, em vez de irem buscar o grão na fazenda como sempre fizeram, as tradings estão pedindo que o agricultor entregue os grãos na suas unidades de transbordo — ou então forçando um desconto maior por não conhecerem o custo do frete.
As operações de ‘barter’ — em que o fazendeiro troca insumos como pesticidas e adubo por sacas de grãos — também estão complicadas. Antes, o insumo vinha no frete de retorno, que é 40% mais barato que o frete de ida. Agora, ninguém sabe o custo, e a corda está arrebentando do lado do agricultor.
Em vez de apostar na concorrência para que o mercado encontre o preço justo, o Governo cedeu à pressão e resolveu privilegiar o caminhoneiro em detrimento do dono da carga.
Três entidades de classe — a Confederação Nacional da Agricultura, a Confederação Nacional da Indústria e a ATR (Associação do Transporte Rodoviário) — foram ao Supremo contestar a constitucionalidade da MP. O relator do caso é o Ministro Luiz Fux que, no dia 27, fará uma audiência pública para ouvir as partes.
Nesta quarta-feira, oito entidades de classe da indústria e do agronegócio vão expor o problema em Brasilia, num evento co-organizado pelo Brazil Journal, o JOTA e o Poder 360.
O seminário “Frete sem Tabela, Brasil com Futuro” vai debater o frete tabelado sob três ângulos: o econômico, o jurídico e o político.
O evento começa às 9:45 com uma mesa sobre economia em que os debatedores serão Cláudio Frischtak, da Inter.B Consultoria, e Pedro Scazufca, sócio da GO Associados.
Das 10:45 às 11:45, o painel sobre a atuação do Judiciário e a insegurança jurídica terá a ex-corregedora do Conselho Nacional de Justiça, Eliana Calmon, e o advogado Beto Vasconcellos, ex-secretário nacional de Justiça.
Finalmente, às 12:15, o deputado federal Evandro Gussi (PV-SP) e Fernando Schüler, professor do Insper, debaterão o tabelamento no contexto do cenário político e institucional.
O evento é gratuito, mas as inscrições devem ser feitas previamente no site fretesemtabela.org
Para uma economia funcionar bem, é preciso que os mercados que a formam funcionem bem. E para que mercados funcionem, nada pior que insegurança jurídica. Ou ideias ultrapassadas.
SAIBA MAIS