Em mais de 30 anos de Polícia Federal, o delegado Victor César dos Santos passou boa parte de seu tempo enfrentando o crime organizado, como nas operações que culminaram na prisão de Sandrinho Beira-Mar e do bicheiro Rogério Andrade.
Comandou também a segurança de eventos como a visita do Papa Francisco ao Rio em 2013 e a recente posse de Lula no Planalto.
No ano passado, prestes a se aposentar, Santos fazia planos de abrir um escritório de advocacia no Rio, sua cidade natal, quando recebeu um convite “irrecusável” para assumir um dos piores empregos do mundo.
Desde novembro, ele é o novo secretário de Segurança do Rio, cargo que havia sido extinto em 2019 pelo então governador Wilson Witzel.
O atual governador, Cláudio Castro, o convocou para liderar um esforço para reverter os índices de criminalidade no estado.
Castro, que canta músicas católicas e tem dois discos gravados, conheceu o delegado em 2013 durante a Jornada Mundial da Juventude e a visita do Papa.
Anos mais tarde, já governador, conversava com o delegado para pedir sugestões sobre a segurança.
Desde o final do ano passado, Santos vem colocando em ação um plano para, como ele diz, “parar de enxugar gelo” no enfrentamento das quadrilhas. Em sua opinião, a melhor estratégia é seguir a trilha da movimentação financeira do crime organizado e minar as finanças de traficantes e milicianos.
“A finalidade do crime é o lucro. É o dinheiro,” afirmou Santos. “Se não pensarmos nisso como um ponto central da investigação, nunca teremos eficiência na repressão.”
O secretário também é um entusiasta do uso de câmeras com de reconhecimento facial conectadas a um sistema de inteligência artificial. (A tecnologia já ajudou a identificar suspeitos no Réveillon.)
Nesta conversa com o Brazil Journal, Santos critica o “ciclo vicioso” da impunidade e diz como pretende enfraquecer o crime organizado e as milícias.
O estado do Rio ficou mais de quatro anos sem uma Secretaria de Segurança. O governador Cláudio Castro decidiu recriar a secretaria, mas disse que ela não terá a estrutura do passado. O que muda?
A secretaria tinha 365 cargos, era uma estrutura bem complexa. Agora foi recriada com menos de 90 pessoas, um modelo bem enxuto.
A força de trabalho tem que estar na Polícia Civil e na Polícia Militar, que continuarão a ter status de secretarias. Acreditamos que isso dá às polícias uma autonomia administrativa e financeira.
Havia uma dificuldade de execução financeira, os repasses demoravam muito para chegar. Com autonomia, as Polícia Civil e Militar ganham agilidade.
Outra secretaria muito importante é a de Administração Penitenciária. Tudo começa e termina no sistema penitenciário.
O papel da Secretaria de Segurança deve ser de coordenação e integração.
Temos três eixos fundamentais de atuação.
Primeiro, fortalecimento institucional. Instituição forte, segurança forte.
Segundo, valorização do capital humano. O bom policial precisa ter espaço. Quando o bom tem mais espaço, o ruim naturalmente se torna um corpo estranho.
Terceiro, tecnologia como ferramenta de transformação na segurança pública.
Quais as ações imediatas?
A prioridade inicial é enfrentar os roubos com ameaças e violência. Cria-se na população um clima de insegurança muito grande quando uma pessoa leva um tiro ou uma facada por causa de um celular, de um carro.
Se olharmos os números, alguns índices estão diminuindo. Precisamos transformar esses bons números em uma maior sensação de segurança, comunicar melhor o que tem sido feito de positivo.
Algo que traz também sensação de insegurança são os casos de reincidência. A polícia prende e uma semana depois o criminoso está na rua.
Já tomamos a iniciativa de abrir esse diálogo com o Ministério Público e o Judiciário. O sistema de segurança não depende apenas da polícia.
Com a justificativa de falta de vagas no sistema penitenciário, acabamos alimentando um ciclo que não é virtuoso. A Justiça solta o detento porque não tem vaga, e o Executivo não abre vaga porque ninguém fica preso.
Aí o cidadão vê o seu agressor perambulando no seu bairro, na sua comunidade, o que aumenta ainda mais a insegurança.
Dentro de suas atribuições diretas, o que está sendo feito para coibir a criminalidade?
Mais policiamento ostensivo com o auxílio da tecnologia. Foi o que fizemos no Réveillon. Com o software de reconhecimento facial, foi possível identificar um grande número de suspeitos – algo que levaria anos sem essa tecnologia.
O monitoramento por câmeras amplia o policiamento. Mas imagine monitorar 2.000 câmeras? Aí entra o software de inteligência artificial, que emite um alerta quando o sistema identifica a placa de um carro roubado ou um criminoso procurado.
Um exemplo foi a prisão do suspeito de agredir e roubar o comerciante Marcelo Benchimol, em Copacabana.
O suspeito já havia sido abordado pela PM 56 vezes. Tinha dez passagens pela polícia, sete como menor e três como maior. Só acabou pego por causa da investigação com o uso dessa tecnologia.
Uma dificuldade que ainda temos é a falta de comunicação entre os bancos de dados. Um trabalho que estamos fazendo é integrar as informações. Aí, com a inteligência artificial, poderemos procurar padrões para antecipar possíveis ocorrências e realizar ações preventivas. Assim conseguimos evitar que crimes sejam cometidos.
E como enfrentar o crime organizado?
A finalidade do crime é o lucro. É o dinheiro. Se não pensarmos nisso como um ponto central da investigação, nunca teremos eficiência na repressão.
No caso do roubo de celulares, precisamos ir atrás dos receptadores, por exemplo, investigando lojas no mercado informal e até mesmo no formal que vendem esses equipamentos. A mesma coisa para roubos de fios e de cargas.
Precisamos reprimir as feiras de produtos ilegais e originários de furtos ou roubos. Por isso vejo como positiva a decisão do prefeito de acabar com a Feira de Acari.
Atuando preventivamente, conseguimos agir mais rápido e com um menor custo. Se não fizermos isso, o policial fica desmotivado, tem a sensação de sempre estar apagando incêndios, enxugando gelo.
Não podemos fazer sempre a mesma coisa achando que o resultado vai ser diferente. Pior, a demanda será sempre maior.
Em um trabalho de médio e longo prazo, vamos investigar a estrutura financeira do crime organizado. É com a desarticulação dessa estrutura financeira que vamos tirar a capacidade bélica dessas quadrilhas, a capacidade operacional – e, também, a capacidade de corrupção.
No Rio, ao contrário de São Paulo, existe a disputa entre grupos criminosos, o que gera bastante atrito entre as facções e eleva o grau de violência. Como desarmar essa situação?
Temos há décadas a disputa territorial das facções. Isso vem de décadas. São Paulo é um caso à parte, porque é o único estado onde só existe uma facção, o PCC.
Duas organizações operam em âmbito nacional, o PCC e o Comando Vermelho. Existem algumas outras que são locais ou regionais.
No Rio, uma particularidade são as milícias, mas agora já vemos surgir a ‘narcomilícia’, porque os traficantes viram que podem ganhar mais com outras fontes de receita, cobrando pelo gás, pela luz e pela ‘gatonet’ – como fazem os milicianos.
Mesmo que a polícia consiga asfixiar a logística da venda de drogas, os traficantes continuam se mantendo com essas outras receitas. Isso também acaba acirrando a guerra entre o CV e as milícias.
Estamos monitorando esses movimentos, o deslocamento dos criminosos nas comunidades, para antecipar as ações deles.
Há poucos dias, a PM prendeu um grupo armado que pretendia invadir a Gardênia Azul, na Zona Oeste. (Traficantes e milicianos estão em guerra há meses pelo domínio da região.)
Então não podemos ter apenas como alvo um criminoso, é importante investigar as movimentações, seguindo o dinheiro.
A investigação financeira tem um aspecto interessante, ela é impessoal por natureza. Seguindo o dinheiro, podemos enfrentar diversos tipos de crime, como o tráfico de drogas e de armas, fraudes em licitações, corrupção.
O Rio tem uma das menores taxas de resolução de homicídios do País. A impunidade, como o senhor diz, incentiva a criminalidade e o clima de insegurança. O que fazer para elevar os índices de identificação dos autores de assassinatos?
Em primeiro lugar, tecnologia. O uso de imagens é algo muito relevante para identificar os autores.
Um projeto é usar imagens do monitoramento privado, gravadas pelas câmeras do comércio, dos hospitais e colégios que estejam voltadas para o espaço público.
Essas imagens serão compartilhadas e ficarão armazenadas por um ano. Acredito que ajudarão na resolução de crimes.
Vamos investir também na perícia, com mais equipamentos e melhora nos procedimentos de coleta de dados no local dos crimes.
Algumas cidades e regiões do Brasil e do mundo já viveram períodos de crise na segurança pública e conseguiram reverter os índices de criminalidade. O senhor se inspira em algum exemplo?
Nunca gosto de citar um trabalho específico porque há sempre muitos fatores externos que podem contribuir para um bom ou mau resultado.
O que vejo em comum em todas as boas práticas é a integração e a coordenação dos trabalhos, com os atores envolvidos sentados à mesa, buscando soluções. É isso que estamos buscando no Rio de Janeiro.
Faz parte dessa estratégia as conversas com os secretários dos estados vizinhos ao Rio. Queremos fechar o Sudeste, fazer um trabalho conjunto, trocando experiências e boas práticas.
Com bons resultados, poderemos contribuir com as demais regiões. Todo bom resultado tem em sua base a cooperação e integração entre as forças.