Você já viu o filme. Agora vamos ver a ação.
Existem algumas poucas marcas de carros de luxo – mas a Ferrari é única.
Essa exclusividade tem um preço – e não estamos falando dos R$ 5 milhões por um modelo de entrada. As ações da Ferrari negociam hoje a 50x o lucro esperado para 2024 – mais que o dobro do múltiplo de 22x da francesa LVMH, o maior e mais valioso grupo de luxo do mundo.
Os últimos resultados de 2023, publicados no início de fevereiro, empurraram a ação para seu all-time high. O valor de mercado passou de € 75 bilhões, quase o mesmo que a Stellantis, o grupo que congrega 14 marcas, incluindo a Fiat – e do qual a Ferrari é um spinoff. (A Stellantis vale € 80 bi.)
O lucro da Ferrari no ano passado deu um salto de 34%, alcançando € 1,26 bi. O total de veículos entregues ficou em 13.663 (contra 6 milhões da Stellantis), tendo como um dos destaques a chegada ao mercado do modelo Purosangue, a primeira SUV com o cavallino rampante da scuderia no capô.
Os resultados foram puxados pelo aumento da receita com a customização de modelos, nos quais as margens brutas de venda podem superar 80%. As ações da empresa subiram 26% desde o início do ano e acumulam alta de quase 60% em 12 meses.
Com uma margem líquida de 27%, a empresa italiana fica em linha com outras grifes de ultra luxo. Por isso, analistas usam a francesa Hermès como benchmark para avaliar o papel da italiana, e não outras fabricantes de carros de luxo.
A BMW e a Mercedes, marcas que disputam um mercado mais competitivo – e menos exclusivo – entregam aos acionistas margens mais estreitas, ao redor de 10%. Os múltiplos dos papéis das alemãs oscilam entre 5x e 6x.
A Porsche, cujas margens ficam próximas de 20%, enfrentou no último ano o impacto da queda no mercado chinês. A ação caiu, e hoje está pouco acima do valor do IPO, em setembro de 2022.
A Tesla tem problemas parecidos. Suas margens, antes acima de 20%, estão diminuindo por causa da guerra de preços no mercado de elétricos.
Já a Ferrari, desde a abertura de capital em 2015, viu seu valuation ser multiplicado por 9. É tido pelos analistas como um papel que performa de maneira pouco correlacionada ao ciclo econômico, ao contrário do que vem ocorrendo com as ações da Porsche.
“A Ferrari é o pináculo de uma marca de luxo, com alto valor de escassez, fontes de crescimento globais e clientes apaixonados que pagam pelos carros antes mesmo de eles serem fabricados,” escreveram os analistas da Evercore ISI em um relatório. “As margens ficam no teto das marcas de lucro, em razão de combinação única de produtos e experiência da marca.”
As experiências incluem parques temáticos em Abu Dhabi e Barcelona, além de cursos exclusivos de pilotagem em pistas de corrida. Mas o que mais tem impactado positivamente o bottom line é a customização de modelos.
Durante a pandemia, a Ferrari abriu um estúdio de personalização em Nova York e outro em Xangai. Neles, nos quais, por meio de tecnologia de realidade virtual, os clientes conseguem ter uma experiência similar à oferecida in loco na fábrica de Maranello na hora de escolher os detalhes finais de seus modelos, tornando-os únicos.
Os esforços para acelerar a personalização poderão aumentar as margens e o faturamento, como já ocorreu no ano passado. Graças aos punhados de euros a mais pagos pelos consumidores pela customização, o preço médio dos carros vendidos pela italiana ficou em € 397 mil em 2023, um novo recorde.
No que diz respeito aos motores, os clientes podem escolher os barulhentos e poluentes a gasolina ou modelos híbridos – mas 100% elétricos, ao menos por enquanto, é algo fora das especificações. A Ferrari disse que tem planos de eventualmente lançar carros elétricos, mas não deu maiores detalhes sobre o projeto.
Quase metade dos carros vendidos no ano passado foram híbridos. No caso das Ferraris, a função do motor elétrico é mais de aumentar a potência final do que reduzir a pegada de carbono.
A SF90 Stradale carrega sob o capô um biturbo V8 de 4 litros de 769 cavalos além de três motores elétricos que geram outros 217 cavalos, atingindo a potência total de 986 cavalos. Capaz de acelerar como um F-1, na configuração mais veloz o modelo vai de 0 a 100 km/h em 2 segundos.
Nas pistas, entretanto, a Ferrari tem decepcionado os seus fãs aficionados. A Scuderia encerrou o ano em terceiro no mundial de construtores, atrás de Red Bull e Mercedes. Foi campeã pela última vez em 2008, quando Felipe Massa fazia parte do time. No mundial de pilotos, o último título foi em 2007, com Kimi Raikkonen no volante.
Os tifosi, portanto, não poderiam estar mais ansiosos pela estreia de Lewis Hamilton. O heptacampeão deixará a Mercedes no final de 2024 e no próximo ano disputará o Mundial pela Ferrari.
A união do maior vencedor de todos os tempos com a mais tradicional e mais vitoriosa das equipes será uma atração adicional para a F1 – e certamente ajudará a Ferrari a bater novos recordes de lucro.