Pelo menos desta vez, a discussão nas redes sociais não foi para destilar ódio, espalhar notícias falsas nem discutir alguma bobagem do fim de semana. Desta vez, o debate exigia argumentos: será Roger Federer o maior esportista de todos os tempos? Seria o suíço maior do que Pelé? Do que Muhammad Ali, Michael Jordan, Ayrton Senna? Do que Usain Bolt? 

É provável que sim, tanto pelo que o suíço fez e pode continuar fazendo dentro das quadras como por suas atitudes fora delas. O certo é que Federer, que para muitos parecia inatingível antes da última conquista, já é maior do que ele mesmo.

Aos 36 anos, idade em que a maioria dos atletas já se aposentou ou ensaia sua retirada, Federer não para de se reinventar e de querer ainda mais. 

Ao conquistar hoje o Aberto de Tênis da Austrália — sua sexta vitória no torneio e a vigésima em que levantou a taça de um Grand Slam, nome dado aos quatro principais torneios do mundo — Federer chorou como se este fosse seu primeiro título. Ou talvez o último.

Federer é apontado quase unanimemente como o maior tenista de todos os tempos. Para questionar sua supremacia, alguns citam Rod Laver, o lendário australiano que venceu por duas vezes os quatro Grand Slams na sequência (coisa que ninguém repetiu depois dele) e o espanhol Rafael Nadal (que tem um retrospecto favorável de 23 vitórias contra 15 derrotas para o suíço). Bom, sempre haverá alguém ‘do contra’ em qualquer assunto.

Federer despontou como um fenômeno em 2001, aos 19 anos, ao vencer Pete Sampras, o “Federer da época”, na grama de Wimbledon. Em 2003, conquistou seu primeiro Grand Slam, em Wimbledon. A partir dali começava um reinado impressionante. Até 2011 Federer sempre conquistou ao menos um título de Grand Slam por ano. Mesmo em 2008, quando foi abatido por uma mononucleose, ganhou o US Open. No ano seguinte, conquistou o único troféu de Grand Slam que lhe faltava, no saibro de Paris. A seca de títulos em 2011 fez com que muitos decretassem o fim de sua carreira, mesmo ele permanecendo sempre perto do “top 3” do ranking.

Em 2009 vieram as filhas gêmeas, Myla e Charlene. Nadal cada vez melhor, o sérvio Novak Djokovic consolidando-se como um dos melhores do mundo e o escocês Andy Murray entrando para o seleto grupo de vencedores de Grand Slams. Federer ainda ganhou Wimbledon em 2012, mas já estava difícil competir com as estrelas em ascensão. Todos conheciam seu jogo, o físico não era mais o mesmo e a motivação passou a ser dividida com a família. Em 2014, gêmeos de novo: Leo e Lennart. De 2013 a 2016 Federer não ganhou nenhum Slam. Uma contusão no joelho, ao escorregar enquanto dava banho em uma das filhas, tirou o suíço das quadras e o fez pensar em aposentadoria em 2016. Federer parou por um tempo, voltou a treinar e, em janeiro do ano passado, quando já não figurava mais no top ten, surpreendeu o mundo e a ele mesmo e ganhou o Aberto da Austrália pela quinta vez. Na ocasião disse que não se aposentou quando caiu no banheiro porque Mirka, sua mulher, uma ex-tenista suíça, não deixou. Meses depois ganhou Wimbledon pela oitava vez.

Recentemente, um amigo íntimo de Federer revelou que ajudou o suíço a se reinventar mais uma vez. Convenceu o amigo a mudar um pouquinho a forma como bate o backhand e, principalmente, aconselhou Federer a usar mais as estatísticas a seu favor. O nome do amigo é Jorge Paulo Lemann. Lemann ajudou a criar o Instituto Tênis. Há pouco mais de dois anos, os garotos e as garotas do Instituto passaram a treinar no centro de treinamento do técnico da seleção brasileira de vôlei, José Roberto Guimarães. Em conversas com Guimarães, Lemann viu como as estatísticas eram usadas em detalhe no vôlei, e aconselhou Federer a fazer o mesmo.

A forma como o suíço passou a jogar contra Nadal, por exemplo, indica que ele seguiu o conselho de Lemann. Nos últimos cinco confrontos, Federer venceu todas as partidas e mudou o jeito de jogar, oferecendo menos ângulos ao espanhol.

Federer faz em quadra o que parece impossível para pessoas que jogam tênis em qualquer nível. Seu repertório é maior do que o de qualquer outro e se amplia durante o jogo, com a criação de ângulos e efeitos que até então não existiam.  Não bastasse isso tudo, é adorado por suas atitudes que vão além dos golpes. Corrige marcações dos juízes que poderiam beneficiá-lo, elogia e ajuda adversários, promove eventos para ajudar necessitados e está sempre sorrindo.

Em um texto de 2006 intitulado “Roger Federer como uma experiência religiosa”, o escritor americano David Foster Wallace descreve com maestria a experiência de assistir Federer jogar. Wallace, que foi tenista na adolescência, se suicidou em 2008 e não viu Federer fazer tudo o que fez depois. 

Wallace comparou assistir a uma partida de tênis pela televisão com a experiência de ver um filme pornô. Acompanhar uma partida ao vivo, perto dos jogadores, seria algo como participar de uma relação sexual ao vivo. Nas últimas vezes que vi Federer jogar, de perto ou pela tevê, me convenci que ele não é humano. Hoje, ao acabar o jogo, achei que ele fosse tirar uma capa da mala em que guarda suas raquetes, colocá-la nas costas e sair voando do estádio. 

 
Marcelo Onaga é jornalista, consultor de empresas e tenista esforçado.