O Federal Reserve já disse que deverá reduzir os juros em breve, mas se encontra em uma posição privilegiada e não precisa ter pressa.
A economia dos EUA continua crescendo acima do esperado, a inflação continua acima da meta mas se estabilizou ao redor de 3%. Por isso, o Fed provavelmente será o último grande banco central a iniciar o ciclo de alívio monetário.
“Eles querem cortar os juros, já disseram que vão cortar, mas não precisam cortar,” disse Benjamin Souza, estrategista de renda fixa para América Latina da BlackRock, em uma conversa com o Brazil Journal.
A BlackRock, com US$ 10 trilhões sob administração, é considerada a maior gestora do mundo.
Souza vê a economia americana em um cenário ‘Goldilocks’ – nem muito quente nem muito fria – e isso tem despejado ânimo nos investidores, com os índices de ações batendo recorde de altas.
Dois grandes riscos para esse cenário favorável são uma recessão ou uma inflação acima do previsto. Mas essas ameaças não estão se materializando – e o rali prossegue.
Para Souza, que é mexicano, os emergentes também deverão ser favorecidos e atrair mais recursos de investimento em portfólio. Os mais beneficiados serão os que souberem se aproveitar do nearshoring – a busca dos EUA e outros países ocidentais por parceiros confiáveis fora da China.
Os ativos brasileiros poderão sair ganhando com a volta dos compradores externos, mas, sem o investment grade, a disponibilidade de capital ficará restrita.
A seguir, os principais trechos da conversa.
O mercado chegou a precificar o início do corte de juros pelo Federal Reserve em março. Houve excesso de otimismo?
O Fed se encontra em uma posição única, porque eles querem cortar os juros, já disseram que vão cortar, mas não precisam cortar.
Depois de um grande ciclo de altas nos juros, normalmente um acidente acontece pelo caminho – como, por exemplo, uma recessão. Esse era o temor dos mercados no ano passado, mas a economia continuou crescendo.
A economia americana fechou o quarto trimestre do ano passado crescendo acima de 3%. O Fed não precisa ter pressa, provavelmente será o último banco central a cortar os juros.
O mercado chegou a precificar seis cortes, mas agora o trabalho do Fed tem sido de acalmar as expectativas, dizendo que irá reduzir os juros, mas não tão cedo como se esperava.
Outra mensagem importante a ser observada é qual será a velocidade do relaxamento monetário. Normalmente, o ritmo é muito rápido, dentro de 12 a 18 meses o Fed entrega todos os cortes.
Dessa vez, como não houve nenhuma crise, eles poderão ir mais devagar. Podem cortar uma vez e fazer uma pausa.
Então, quem sabe, eles iniciem a redução em junho, depois podem fazer outro corte em setembro, e aí esperar até novembro ou dezembro, entregando três cortes.
Na gestão de um portfólio, qual o impacto de os juros nos EUA permanecerem mais elevados por um período mais longo?
As pessoas pensam que juros menores são geralmente uma coisa boa, porque diminui a taxa de desconto dos lucros futuros e do custo financeiro das empresas e isso é positivo para os preços das ações.
Mas quase sempre, quando o Fed corta juros, é porque houve algum acidente na economia. Então, juros menores podem ser algo positivo ou negativo ao mesmo tempo.
Atualmente, vemos uma situação rara. O mercado espera um crescimento do PIB de 2% neste ano. Portanto, haverá uma desaceleração, mas deveremos ver crescimento.
Ao mesmo tempo, a inflação está em 3%, acima da meta de 2%, mas estável. Não houve uma explosão similar à inflação dos anos 80, como se temia. É uma combinação de fatores que deixa o mercado animado.
O maior medo do mercado era uma recessão. Quando o mercado percebeu que a economia estava crescendo 5%, rapidamente eliminaram do cenário a possibilidade de uma retração do PIB.
Então as ações entraram em uma rali, ainda mais depois da reunião do Fed de dezembro, com a sinalização de corte de juros. Adicionou mais combustível à alta das bolsas americanas. Os spreads diminuíram, e as ações subiram.
Existem riscos para esse cenário ‘Goldilocks’, como uma inflação pior do que o esperado ou uma recessão. Mas essas ameaças não estão se materializando.
Vários analistas e gestores afirmam que o Brasil continua muito barato, com os múltiplos da Bolsa em valores historicamente baixos. Mas o fluxo externo permanece baixo ou até negativo em alguns meses. Quando o Brasil voltará a receber mais recursos?
Essa é a pergunta que os clientes sempre me fazem.
Crescimento forte nos EUA, em geral, é positivo para os mercados emergentes. O maior mercado do mundo em boa forma contribui para a venda de serviços e mercadorias, sejam elas bens manufaturados, commodities.
Os mercados emergentes costumam se sair muito bem quando os EUA estão bem. O que vem ocorrendo com os emergentes é até certo ponto atípico. Estamos vendo saídas de recursos. No ano passado, ninguém queria tocar em emergentes. Vimos resgates tanto em renda fixa como variável.
No final do ano, quando o mercado percebeu que não havia risco iminente de uma recessão nos EUA, as pessoas começaram a voltar às ações americanas e não aos mercados emergentes.
Na minha opinião, neste ano os investidores vão se dar conta de que o crescimento nos EUA será positivo para os emergentes.
Outro ponto é a China, cujo desempenho tem sido muito ruim. As ações chinesas têm um peso muito grande nos índices de emergentes.
Se olharmos os componentes, veremos que a China , mas outros mercados fecharam o ano em alta.
O Brasil subiu dois dígitos, assim como México e Polônia. A Índia também se saiu muito bem.
Os investidores começam a fazer essa distinção.
Estamos vendo um aumento do investimento direto em países como o México, por causa da substituição de importações chinesas. Enquanto todos ficam distraídos com os EUA, tentando entender o que o Fed vai fazer, acabamos perdendo a noção de que forças positivas que surgem em outros mercados.
No Brasil, mais especificamente, apareceram questões envolvendo a interferência do governo em duas das maiores empresas do País, a Petrobras e a Vale. Como isso afeta o sentimento do investidor internacional?
Esse tipo de situação não é algo exclusivo do Brasil. A política tornou-se algo bastante relevante. Por isso todo mundo presta muita atenção a todas as eleições que ocorrem ao redor do mundo.
Em última análise, na minha opinião, os fundamentos econômicos acabam prevalecendo.
Para o Brasil, o último ano foi bastante sólido do ponto de vista do investimento estrangeiro direto no Brasil, embora não tenha sido bom para os investimentos em portfólio.
O México é um exemplo disso que você está falando da importância dos fundamentos econômicos sobre a política?
Sim, o México é a maior face do nearshoring. Se algo pode deixar de ser feito na China, o México será sempre uma opção óbvia, por causa de sua posição geográfica – é o hub de acesso mais fácil aos EUA.
A infraestrutura mexicana não estava preparada para esse aumento da produção. Então vemos muitos investimentos sendo feitos.
A Polônia é outro país que vem se beneficiando bastante. Parte dessa transferência chegará ao Brasil e outros países da América Latina, sobretudo aqueles que tenham acordos comerciais com os EUA.
Os americanos desejam reduzir a dependência em relação à China e aumentar a participação dos países mais alinhados politicamente com os EUA.
O governo brasileiro quer aumentar a participação dos estrangeiros na dívida pública. Quando o País era ‘investment grade,’ os investidores internacionais chegaram a deter 20% do estoque de títulos, mas hoje essa posição caiu pela metade. Como voltar aos 20%, que é o objetivo do Tesouro brasileiro?
O que você mencionou é realmente relevante, porque ‘investment grade’ não é simplesmente uma qualificação. Ele define quais podem ser os seus potenciais investidores.
Existem investidores dedicados aos mercados emergentes e esses sempre vão investir no Brasil. Mas há também aqueles que só investem em economias consideradas como ‘grau de investimento.’
Na América Latina, existem poucas opções com esse rating. Há o México e Chile, basicamente.
Com o ‘investment grade’ o universo de investidores é muito maior, por isso essa deve ser uma aspiração dos países emergentes. A diferença é enorme.
Como chegar lá?
As avaliações envolvem normalmente componentes fiscais, como o controle do déficit primário, além de variáveis como o crescimento do PIB e a cobertura dos serviços da dívida. Não existe mágica.