Antônio Obá teve uma semana épica.
Na terça-feira, uma pintura do artista brasiliense, com um preço de referência entre US$ 100 e 150 mil, foi vendida por mais de US$ 1 milhão no mesmo leilão da Sotheby’s de Nova York em que o Retrato de Elisabeth Lederer bateu o recorde de US$ 236 milhões.
Alvorada – Música Incidental Black Bird (2020, na foto acima), bateu o recorde anterior do artista, que era de US$ 228.600 com a tela Sakofa – Figura com Alpargata (2020).
Dias antes, Obá abriu uma individual na Mendes Wood que certamente é uma das melhores exposições do ano.
Com obras no acervo da Tate Modern, Reina Sofía e da coleção Pinault, Obá tem um trabalho calcado em rigor estético e profunda sensibilidade, uma combinação poderosa fruto de um talento raro e precioso.
No livro sobre o artista, há um discreto parágrafo de agradecimentos escrito por ele. Ali se vislumbram os valores que norteiam sua vida e obra: família, espiritualidade, gratidão e reverência aos mestres e antepassados.
Elegante e sereno, Antônio Leonardo de Paula, agora Antônio Obá, nasceu em 1983 em Ceilândia, no Distrito Federal.
Desde menino desenhava com facilidade. Estudou publicidade na Universidade Católica de Brasília, mas o desenho o levou às artes plásticas. Em 2017, ganhou o Prêmio PIPA e fez sua primeira individual na Mendes Wood. Dali em diante, seu sucesso o tornou mais conhecido fora do Brasil do que aqui.
De família e formação católica, adotou o nome iorubá “Obá”, que significa o rei ou o orixá das águas revoltas, depois de se aproximar das religiões africanas e de sua ancestralidade negra. “Em três letras, a palavra expressa três coisas que são muito importantes para mim: dignidade, força e misticismo,” ele disse ao Le Monde no começo deste ano.
A espiritualidade é presença constante em sua obra. Os rituais estão presentes em pinturas, performances e vídeos, com uso de símbolos e referências aos orixás e ao catolicismo.
Obá pinta em estúdio a partir das memórias de sua família, da sua infância, de festas religiosas ou infantis da região rural onde cresceu, e usa recursos poéticos para repensar a história do corpo negro e projetar um futuro mais justo e promissor.
Na sua recém-inaugurada exposição, Nascimento, os detalhes e os símbolos presentes nas pinturas contam uma história ou uma fábula. Há um lado onírico ou sobrenatural nas pinturas. Todas despertam um certo temor reverencial em face do desconhecido, retratado ora de forma desconfortável, ora inquietante.
“Antônio não desperdiça nada que vicejar em seu caminho: flores, pássaros, árvores, mãos hábeis capazes de canalizar energias para fechar um corpo. As mãos do artista decolonizam os 22 arcanos do Tarot de Marselha. O ‘Louco’ do baralho original é, agora, um Exu, elegantemente equilibrado sobre encruzilhadas. Obá converte arquétipos em mágica”, explica o texto da curadora Denise Camargo sobre a série espetacular do Tarot de Marselha.
Com disciplina rigorosa, Obá trabalha a tela como uma disputa: “pintar para mim sempre foi isso — eu dou um golpe, depois sou nocauteado”, disse em entrevista ao site Artsy. “Luto, caio e persisto nessa disputa solitária até que a obra finalmente nasce. Cada pintura minha é uma luta!”
Mas a luta mais feroz acontece no ringue dos colecionadores, daqui e de fora, e das instituições internacionais, que disputam a tapa uma obra do artista, hoje um dos mais desejados do mundo.
Apesar de adotar técnicas tradicionais de pintura, para ser fiel a suas referências pessoais e espirituais, Obá faz uso de materiais carregados de significado como carvão, espelho e pregos, atingindo um resultado estético primoroso.
“O que distingue Obá é talvez essa conjunção de vocação e exatidão: a operação política da imagem sem abandonar o pulso lírico que torna suas cenas tão vívidas. Ele não propõe apenas um manifesto estético; propõe um modo de ver que reposiciona o corpo negro do réquiem para o lugar da agência. As figuras nos seus quadros não pedem clemência; reclamam espaço para serem vistas em sua complexidade”, escreveu a curadora Diana Campbell no livro sobre o artista.
