Carlos Sanchez sempre foi um empresário relativamente discreto – mas agora, o controlador da EMS está sob os holofotes do mercado com sua oferta não-solicitada para tomar o controle da Hypera.

A oferta, enviada ao conselho da concorrente na segunda-feira, foi rechaçada 48 horas depois pelo board da Hypera, que argumentou que Sanchez está subavaliando a companhia e que a EMS — cuja receita vem predominantemente de genéricos — não é o melhor fit estratégico.

A oferta pela Hypera é a maior tacada de Sanchez até agora para transformar em líder de mercado a empresa que seu pai, Emiliano, começou em 1964 depois de ser dono da pequena Farmácia Santa Catarina. 

A EMS teve um faturamento líquido de R$ 8 bilhões no ano passado e um EBITDA de R$ 2,77 bi.

Sanchez conversou com o Brazil Journal sobre os méritos da oferta.

O setor farmacêutico tem hoje quatro grandes players. Uma fusão com a Hypera levaria vocês à liderança absoluta do setor. Foi isso que motivou a oferta?

Claro que o ganho de escala é um aspecto positivo, mas o principal motivo para vermos valor com essa transação é a complementaridade dos nossos portfólios.

Atualmente somos a maior companhia de genéricos e similares do mercado, com posição relevante em prescrição médica e com o maior crescimento nesse segmento nos últimos anos.

Também temos faturamento de aproximadamente R$ 1 bilhão no mercado institucional. Já a Hypera é a maior companhia de OTC e possui posição similar à nossa em prescrição médica. Juntos assumiremos a liderança no mercado de prescrição.

Acredito também que juntos temos muita complementaridade de competências. A EMS sempre foi uma companhia extremamente inovadora e focada em P&D, tendo construído o maior portfólio de moléculas do mercado. Já a Hypera é a melhor companhia na gestão e desenvolvimento de marcas. 

O Júnior construiu marcas emblemáticas, tem excelência nisso, uma coisa que não fazemos bem hoje e na qual não temos DNA. Queremos nos beneficiar dessa qualidade que eles têm.

O mercado entende que você e o Júnior sempre tiveram uma relação cordial. Por que você decidiu seguir com uma oferta hostil?

A minha oferta não é de forma alguma hostil. Fiz um convite ao conjunto de acionistas da Hypera, representados por seu conselho de administração, para ouvir minha proposta e debater conosco seus vários méritos.

A minha decisão de fazer a oferta dessa forma levou em consideração o anúncio que a Hypera fez na sexta-feira, que daria margem para algum terceiro se aproveitar do momento para comprar mais ações e ter um ganho fácil quando eu já estava decidido a propor a combinação. 

Preferi dar a chance ao conjunto de acionistas da Hypera, que detêm participações e apoiam a companhia há muito tempo, a tomarem sua decisão pelos méritos da combinação com as informações mais completas possíveis que poderiam ter naquele momento.

Qual o percentual do capital da Hypera que o seu grupo detém hoje? O que vocês pretendem fazer com essa participação?

Atualmente, detemos pouco abaixo de 5% das ações da Hypera. Nossa intenção com essa participação é reforçar nosso compromisso de longo prazo com a companhia e seus acionistas. Consideramos essa participação estratégica, pois nos permite acompanhar de perto o desenvolvimento da Hypera e alinhar nossos interesses de forma mais profunda com os da empresa.

Essa participação também reflete nossa confiança no potencial de crescimento da Hypera e no valor que pode ser gerado com uma eventual combinação de negócios entre as duas empresas. 

No entanto, qualquer decisão futura relacionada a essa participação será tomada com base no melhor interesse estratégico e financeiro da EMS, de forma alinhada às oportunidades que possam surgir no mercado e às circunstâncias operacionais da Hypera.

A Hypera (e alguns gestores) argumentam que a EMS é um grupo eminentemente de genéricos, e que a fusão geraria sinergias limitadas nas áreas comercial e de P&D. Qual sua visão sobre isso?

Acho que existem sinergias muito relevantes, e P&D é uma das grandes áreas de sinergia por alguns motivos. Temos hoje o maior portfólio de moléculas da indústria, então qualquer molécula que a Hypera esteja desenvolvendo que nós já tenhamos – e existem muitas – é um investimento que pode ser evitado.

O mercado potencial de moléculas é o mesmo para todas as companhias, então tanto nós quanto a Hypera estamos investindo em moléculas em duplicidade, e isso pode ser eliminado.

Além disso, eles há alguns anos têm investido em produtos no segmento institucional; nós começamos a fazer esses investimentos vários anos antes deles e já estamos com muitos produtos desenvolvidos. Esse é outro gasto que pode ser eliminado.

Por fim, olhando para frente, eu não acho que as sinergias são apenas nas economias. Imagine o potencial de investimento e desenvolvimento que as nossas companhias combinadas teriam? Seríamos uma companhia de proporções globais, com uma enorme capacidade de investimentos para inovar e crescer cada vez mais.

Em relação às sinergias comerciais, elas são enormes. Temos estruturas de promoção médica e de venda junto aos pontos de vendas que podem ser otimizadas. Juntos vendemos milhares de SKUs nas mais de 90.000 farmácias e 7.300 hospitais que existem no País. É óbvio que isso irá trazer enormes ganhos comerciais também.

Mas não é só isso, nós enxergamos muitos ganhos em compras compartilhadas de insumos farmacêuticos e embalagens. Na área fabril, também enxergo muitas sinergias. Por exemplo, temos hoje a terceira maior planta de sólidos do mundo em Manaus (incluindo as empresas indianas), e certamente nosso custo de produção unitário é bem menor que o da Hypera. Na área logística, nossas empresas estão cruzando o País para entregar produtos nos mesmos pontos de venda, ou seja, muita oportunidade. 

Enxergo também muita oportunidade em diluição de custos fixos gerais e administrativos, melhoria no custo de capital e na gestão do ciclo de caixa. Hoje operamos com prazos de recebimento e estoque abaixo da meta indicada pela Hypera na sexta-feira passada.

Com a recusa do conselho da Hypera, vocês pretendem buscar um caminho para levar a oferta diretamente a uma assembleia de acionistas?

Essa é uma decisão que os acionistas da Hypera precisam tomar. Qualquer acionista ou grupo de acionistas com 2% de participação pode chamar essa assembleia. Mas achamos melhor que, antes disso, exista uma oportunidade para explicarmos e debatermos em detalhes nossa visão sobre todos os méritos da combinação.

Se os acionistas de referência preferem não fazer isso nesse momento, uma alternativa seria montar um comitê com os conselheiros independentes da Hypera e seus assessores para isso.

Os controladores da Hypera detêm mais de 40% da empresa. E o float é predominantemente de acionistas internacionais, que dificilmente votariam contra uma recomendação do conselho, ainda mais com uma oferta envolvendo troca de ações de uma empresa não listada. Como você pretende superar essas dificuldades numa eventual assembleia?

De fato, me surpreendeu uma decisão tão rápida do conselho da Hypera, sem termos a chance de qualquer interação com eles. Eu estou muito convicto de que essa combinação gera enorme valor para os acionistas das duas companhias, e estou preparado para defender isso em detalhes se o conselho me oferecer a oportunidade. 

Temos informações e assessores que estão prontos para isso, e para fazer isso de forma organizada. Diversos acionistas da Hypera já nos manifestaram apoio à nossa proposta, o que nos dá confiança de que existe um caminho para que o conselho reconsidere sua decisão. 

Fontes próximas à Hypera estão nos dizendo que a companhia pretende lutar contra essa oferta, inclusive com caminhos jurídicos no CADE e na CVM. Você está disposto a ir até o fim numa eventual guerra pelo controle da empresa?

Não existe guerra pelo controle da empresa. Nossa oferta gera enorme valor para todos os acionistas da Hypera, e vamos trabalhar para que eles se alinhem com essa visão. Estamos preparados para implementar nossa transação proposta seguindo todos os ritos regulatórios aplicáveis. 

A Hypera disse que o valuation que vocês propuseram subestima “significativamente” o valor da companhia. Por que o valuation de vocês é justo?

Estamos propondo uma combinação de negócios e utilizando o mesmo múltiplo para avaliar as duas companhias. Nossa oferta levou em consideração o EBITDA histórico das duas empresas, ou seja, nem fizemos qualquer ajuste negativo depois do anúncio da última sexta. A EMS cresce mais, tem margens melhores, paga mais dividendos e está menos alavancada, o que por consequência reduzirá a alavancagem para os acionistas da Hypera depois da combinação.

A combinação gera enormes sinergias, que serão compartilhadas de forma estritamente proporcional pelos acionistas das duas companhias. E finalmente estamos oferecendo uma alternativa parcial em caixa – com prêmio sobre o preço de mercado – para quem preferir este caminho. Estamos sendo extremamente justos quando você compara com a alternativa, que é a Hypera seguir sozinha, sem sinergias e tendo que lidar com um ajuste operacional relevante ao longo dos próximos meses.

Digo mais: falamos com muitos investidores de mercado e não ouvimos qualquer desconforto em relação ao valor proposto. Pelo contrário, só ouvimos mensagens de apoio e de suporte à transação.

Você estaria disposto a aumentar o valuation ou mudar as condições de pagamento para evoluir com o negócio?

Estou disposto a defender todos os méritos da nossa oferta, em um debate franco com o conselho da Hypera, no formato que acharem melhor.