Especializado em crédito, o Banco Daycoval se preparava para crescer em 2025 depois de atravessar dois anos no “modo crise”, quando a carteira ficou praticamente do mesmo tamanho.

Mas agora esse plano voou pela janela – e o modo crise voltou com tudo.

Carlos Dayan ok

“Tivemos de corrigir a rota e já ajustamos para um cenário de maior restrição,” Carlos Dayan, que comanda o banco ao lado do primo Morris e do irmão Salim, disse ao Brazil Journal.

Com a disparada dos juros – uma resposta do mercado à má gestão do Governo na questão fiscal – Carlito, como é mais conhecido, se diz muito preocupado com o estoque de dívida das companhias.

“Começamos a calcular quanto as companhias terão que gastar a mais com juros. É um valor que destrói planos,” afirma. “O estoque de dívida pode matar uma empresa.”

Abaixo, os principais trechos da entrevista feita ontem, enquanto o dólar beirava os R$ 6,20.

Como você vê o cenário para o próximo ano e como o Daycoval está se preparando?

Vale lembrar que este ano começou com uma esperança de melhora. E vimos algumas no Brasil: uma pequena queda nas taxas de juros, crescimento do PIB, aumento do emprego.

Mas as coisas foram saindo dos trilhos em razão dos ruídos internos e também por conta do cenário global. Terminamos o ano com uma alta totalmente imprevista da Selic para 12% e pouco, mas já sabemos que chegará, no mínimo, a 14% e pouco – provavelmente será mais.

Os agentes econômicos ainda têm a memória da última crise, no governo Dilma. Essa memória de que as coisas estão fora de controle, que as taxas de juros estão altas e vão subir mais, que não estamos conseguindo segurar a inflação, que o dólar subiu demais, e o dólar gera inflação… tudo isso está deixando os agentes assustados.

Chegamos a preparar nossa equipe para um crescimento da carteira de crédito em 2025. Mas tivemos de corrigir a rota e já ajustamos para um cenário de maior restrição.

O que significa isso? Segurar crédito?

Pedir mais garantias, ser mais seletivo ao conceder crédito, ajustar os parâmetros. Não significa que o banco vai parar, nada disso. Estamos em campo, não negamos fogo. Só que é necessário fazer ajustes. Não vejo uma hecatombe no próximo ano, mas um ambiente mais desafiador.

Se percebermos alguma melhora, podemos afrouxar um pouco. Temos agilidade para isso. Muitas vezes, nesses momentos, há muita oportunidade. Boas empresas que, num cenário de restrição de crédito, acabam se adaptando às nossas demandas, o que nos permite fechar operações.

O que nos deixa confortáveis para trabalhar num cenário mais desafiador como o atual é o fato de operarmos com garantias. Fazemos isso muito bem.

Entendemos como funciona a Justiça nos diferentes estados, a chance de recuperar bens.

Como está a situação das empresas?

O choque de juros é o que faz as companhias sofrerem. Aconteceu em 2015-2016, no pós-pandemia e acontece agora.

Isso tem um impacto nas vendas, porque leva as pessoas a comprarem menos, e também no endividamento. Estamos muito preocupados com o estoque de dívida das empresas.

Os juros podem consumir tudo o que uma empresa ganhou, por exemplo, ao aumentar a produtividade, reduzir custos e melhorar processos. E esse é o caso da empresa que está bem.

Quem não está pode ter problemas mais sérios. O estoque de dívida pode matar uma empresa.

Começamos a calcular quanto as companhias terão que gastar a mais com juros. É um valor que destrói planos. Estamos num ciclo vicioso de aumento de juros, adiamento de investimentos, não entrega de resultados, perspectiva de redução de vendas. O que, obviamente, é ruim para a economia.

Se o juro aponta para baixo, existe uma possibilidade de melhora. Caso contrário, fica complicado. Fico feliz de não estar na cadeira de presidente do Banco Central, porque é um trabalho impossível.

O crédito para pessoas físicas responde por cerca de 30% da carteira do banco. Qual é a perspectiva nesse segmento?

As coisas acontecem mais rápido na pessoa física. Não tenho dúvida de que o aumento dos juros elevará a inadimplência desse segmento.

Por isso, selecionamos muito bem os nichos em que operamos. Para não depender do mercado, trabalhamos sempre com garantias. Nossos segmentos principais são consignado, crédito para veículos e home equity.

Você compara o momento atual com qual período? 2015-2016?

Um período particularmente ruim para o banco foi 2013-2014. Por algum motivo, sentimos a inadimplência e os problemas no crédito antes do mercado em geral. Talvez pelo jeito que trabalhamos, os nichos em que operamos.

Fomos seletivos com os clientes naquele momento. Em 2015-2016, quando o mercado ficou seletivo, voltamos a crescer e aproveitamos as oportunidades.

Você, seu primo e seu irmão dividem o comando do banco, um modelo que não é comum. Como fazer dar certo?

Há alguns anos, surgiu na mesa a questão de que precisávamos de um CEO. Mas resolvemos que não. Trabalhamos juntos há cerca de 25 anos e essa gestão compartilhada funciona muito bem. Não precisa mudar.

É muito, muito bom poder compartilhar decisões. O mercado não reconhece o valor disso, e é um erro. É claro que ouvimos nossos diretores – o banco está mais na mão deles do que na nossa – e o conselho, mas isso é diferente de dividir a responsabilidade. Dá muita força para a gente.