“Estamos enfrentando um problema de credibilidade na gestão da dívida pública, e o reflexo disso tem sido uma taxa de juros longa muito alta.”

O comentário não partiu de nenhum gestor da Faria Lima, nem nenhum banqueiro.

Quem faz a análise é Marcos Pinto, o Secretário de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda, nesta conversa com o Brazil Journal.

“É muito difícil crescermos de forma sustentável com esse nível de taxa de juros, com uma NTN-B longa na casa de 6,5%, 6,6%,” afirmou Pinto. “Precisamos fazer algo no fiscal para recuperar a credibilidade e trazer a dívida para uma trajetória sustentável.”

O secretário disse que, em sua vida profissional, nunca viu “uma contradição tão grande entre a realidade econômica” – de crescimento acima das estimativas – e as “condições financeiras” – de juros e dólar em alta.

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Advogado com passagem pela Gávea Investimentos e pelo Trindade Advogados, Marcos Pinto é o principal coordenador das reformas microeconômicas do Governo. 

Em uma conversa de uma hora na tarde da última segunda-feira, o secretário não detalhou as medidas de controle de gastos que serão apresentadas após o segundo turno das eleições municipais, mas disse que há exemplos de “reformas inteligentes” que 

podem ser feitas para controlar as despesas e, ao mesmo tempo, aumentar a produtividade da economia.

Para Pinto, as reformas dos últimos anos aumentaram o PIB potencial. A redução nos juros longos é a “última peça” que precisa se encaixar para o País iniciar um “ciclo virtuoso” de crescimento. 

Nesta primeira parte da entrevista, Pinto comenta o estresse no mercado e o ciclo de crescimento que pode ser iniciado com o ajuste fiscal. Na segunda parte, fala sobre as novas reformas microeconômicas, como o programa Pé-de-Meia, as iniciativas para redução do spread no crédito e a nova lei de falências.

O crescimento econômico tem surpreendido positivamente, o desemprego permanece baixo, e o Brasil acabou de ser promovido pela Moody’s. A economia vai bem, mas há uma falta de confiança no mercado, como podemos ver nos preços dos ativos. Por quê?

Na minha vida profissional, nunca vi uma contradição tão grande entre a realidade econômica e as condições financeiras.

O PIB cresce há três anos consecutivos na casa de 3%, o desemprego está na mínima da série histórica, a inflação – que costuma sair um pouco da meta quando temos crescimento mais robusto – está numa trajetória declinante e projetando algo em torno de 4,5% para este ano.

Não obstante, a gente tem o dólar depreciando bastante, acima de R$ 5,60. E o que mais me preocupa são os juros longos muito elevados, acima de 6,5%.

É muito difícil a economia funcionar de maneira adequada, continuar crescendo, com taxas de juros dessa magnitude.

Acho que o juro longo é o elemento principal que a gente tem que observar – e ele demonstra um pouco essa preocupação do mercado, sobretudo com o fiscal, que é uma realidade com a qual a gente tem que lidar.

Mas acho também que o mercado não está vendo um pouco do lado bom da história. Isso tem se refletido nessa sucessão de erros nas estimativas do PIB.

Todo começo de ano tem uma previsão de crescimento entre 1% e 1,5%, mas a economia acaba crescendo na ordem de 3%.

Por que essa surpresa positiva no PIB?

Tem muito a ver com as reformas que o País vem fazendo nos últimos 20 anos.

As reformas macro ganham destaque, mas é na microeconomia onde houve avanços maiores. Venho destacando dois aspectos que não têm chamado muito a atenção dos analistas, mas eles são muito relevantes.

Quais seriam eles?

O primeiro é a transformação na educação brasileira. Todo mundo tem razão em reclamar que a qualidade não é boa o suficiente, a gente está devendo nisso. Mas por outro lado, o trabalho de inclusão educacional feito na última década é incrível.

Em 2012, 11 milhões das pessoas ocupadas tinham ensino superior. Hoje o número dobrou, são 22 milhões.

Boa parte disso são cursos de não tão boa qualidade, ensino à distância. Ainda assim, essas pessoas estão ganhando mais e ocupando cargos mais produtivos. Algum ganho significativo está acontecendo para a economia.

E esse ganho não se esgotou. Ao contrário do nosso bônus demográfico, que está se esgotando, esse bônus educacional está aumentando.

Temos o maior contingente da história de alunos nas universidades, um número se aproximando de 10 milhões de estudantes. E temos um estoque de 22 milhões de formados no mercado de trabalho.

Então, nos próximos cinco anos, a gente vai ter mais 10 milhões de pessoas no mercado com diploma superior.

E qual é a segunda transformação relevante, na sua opinião?

A queda no custo de capital.

Houve um fortalecimento do mercado de capitais. Quando eu era recém-formado e trabalhava em um escritório de direito societário, a gente mal tinha oferta pública de ações.

Em 2002, as ofertas de valores mobiliários somaram algo como R$ 20 bilhões. Em 2022, chegamos a R$ 740 bilhões de emissões – apenas naquele ano.

O mercado de capitais já representa mais de 50% do crédito para as empresas, e os spreads são mais baixos. Enquanto no mercado de capitais o spread médio das operações é 1,75%, o spread médio nos bancos é 8,2%.

Foi adicionado ao sistema todo um novo crédito que antes não existia, e com um spread de apenas 1,75%.

Se fizermos uma média entre os 8,2 pontos que os bancos cobram e o 1,75 no mercado de capitais, o spread para a pessoa jurídica no Brasil já está a menos de 5%. Isso tem um impacto gigantesco sobre a economia.

Mas esse crescimento acima do previsto não se deve também ao forte avanço nos gastos públicos? Economistas argumentam que esse foi o principal motivo da surpresa recente e acham cedo para falar em aumento do PIB potencial, tendo em vista que a taxa de investimento em capital físico permanece baixa.

Acho que a gente não teria tido esse crescimento de três anos consecutivos numa cadência tão boa se não fossem as reformas.

Ainda que não tenha havido um impacto tão grande no investimento em capital fixo, vimos uma transformação em capital humano incrível. Isso tem um impacto sobre a produtividade. Não é só o fiscal que está puxando.

A Fazenda e o Planejamento estão avaliando possíveis reformas estruturais para diminuir o ritmo de aumento das despesas, sobretudo aquelas indexadas, mas existe muita resistência política. O que pode ser feito?

Estamos enfrentando um problema de credibilidade na gestão da dívida pública, e o reflexo disso tem sido uma taxa de juros longa muito alta.

É muito difícil você crescer de forma sustentável com esse nível de taxa de juros, com uma NTN-B longa na casa de 6,5%, 6,6%. Então a gente precisa fazer algo no fiscal para recuperar a credibilidade e trazer a dívida para uma trajetória sustentável.

Acho que é uma oportunidade muito grande, porque estamos num momento em que, ao que parece, só falta isso para encaixar e termos um novo ciclo de crescimento.

Por que essa convicção?

Porque temos todas essas reformas feitas ao longo da década. Temos um PIB potencial mais elevado do que era no passado recente, as contas externas estão todas em ordem.

Com algumas medidas de ajuste pelo lado da despesa, podemos recuperar a credibilidade, reduzir os juros longos – que, para mim, são a variável mais relevante da economia.

Se fizermos isso, talvez tenhamos algum impacto positivo no câmbio também, o que poderá ajudar no controle da inflação.

Vejo condições para termos dois anos extraordinários pela frente, em termos de crescimento econômico e de estabilidade financeira. Então acho que falta pouco.

Temos condições de recuperar a credibilidade com as medidas de ajuste mencionadas pelo ministro Fernando Haddad e a ministra Simone Tebet.

Estamos com a casa arrumada – se a gente fizer algumas medidas de ajuste do lado fiscal. Mas, claro, essas medidas têm que ser relevantes e têm que ter impacto.

Vamos mudar a cara da situação econômica brasileira e reverter esse descompasso que eu mencionei no início da entrevista, de descompasso entre realidade econômica e condições financeiras. E a razão desse descompasso está muito ligada ao fiscal.

Quais deverão ser as medidas apresentadas para controlar os gastos?

Não posso adiantar as medidas que vão ser levadas para o Presidente, mas o que eu posso dizer é o seguinte: precisamos aproveitar essa oportunidade para fazer ajustes inteligentes, ajustes que não sejam regressivos, não recaiam só sobre os mais pobres e que aumentem a produtividade da economia.

Felizmente, temos alguns exemplos de reformas desse tipo, como, por exemplo, no sentido de reduzir a rotatividade no emprego, algo que poderá trazer impacto fiscal positivo e melhorar a produtividade do trabalho.

Então, seria muito importante fazer o ajuste fiscal sim, mas com medidas que sejam inteligentes do ponto de vista microeconômico também. Esse é o objetivo.

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