Leitores de Daniel Kahneman, salivai.
Para alegria dos economistas comportamentais — aqueles que não acreditam que o mercado seja tão racional quanto acreditam os economistas ortodoxos — um novo estudo científico sobre IPOs na Índia parece ser mais uma evidência da existência do chamado ‘endowment effect’, a tendência do ser humano de atribuir um valor desproporcional a coisas que o pertencem.
O estudo e suas implicações foram destaque na The Economist desta semana.
O ‘endowment effect’ pode explicar, entre outras coisas, porque os investidores resistem a vender uma ação na qual estejam tendo prejuízo, sempre ‘racionalizando’ sua decisão de investimento e insistindo que o mercado é quem está errado.
O ‘endowment effect’ já foi observado em experimentos clássicos, incluindo um feito por Kahneman, Jack Knetsch e Richard Thaler. Dá-se uma caneca para um grupo de alunos e pergunta-se a eles por quanto eles venderiam suas canecas: o preço médio é de $5,78. Pergunta-se então a um outro grupo de alunos — que não recebeu a caneca — quanto eles estariam dispostos a pagar por ela; a resposta é um preço médio de $2,21.
Em outro estudo citado pela Economist, pergunta-se a um grupo de alunos: “O que vc prefere? Uma caneca ou uma barra de chocolate?” 56% dos alunos dizem preferir a caneca, e 44%, o chocolate. Em seguida, os cientistas distribuem canecas para um outro grupo de alunos, e chocolate para um terceiro. Quando perguntam quem estaria disposto a trocar o que recebeu, 90% dos alunos de cada grupo dizem não querer fazer a troca.
Apesar das evidências fartas, até hoje os economistas tradicionais dão de ombros quando confrontados com estes experimentos, argumentando que eles têm pouca relação com as decisões que as pessoas tomam no mundo real.
E é aí que entra o novo estudo, publicado em junho deste ano por dois professores de Oxford e um de Wharton.
O estudo documenta a existência do ‘endowment effect’ entre investidores que recebem alocações nos IPOs na Bolsa da Índia. Eles se mostram tão agarrados a seus papeis quanto as crianças às canecas e ao chocolate.
“Quando os IPOs indianos são ‘oversubscribed’ (têm mais demanda do que o número de ações ofertadas), os emissores fazem um sorteio para alocar as ações”, explica a revista. Os sorteados recebem as ações no preço da oferta; os perdedores podem comprar apenas após o início da negociação.
Em tese, o interesse de ambos pelas ações deveria ser o mesmo, afinal, todos se candidataram à compra. Mas depois de um mês, os autores descobriram que 62,4% dos vencedores ainda estavam segurando as ações, enquanto apenas 1% dos perdedores as havia comprado.
Há várias outras considerações técnicas e explicações sobre este comportamento, que você pode ler no artigo original. (E se tiver que se agarrar a alguma coisa, que seja uma assinatura da Economist.)